É praxe petrificada no meio forense o Juiz Presidente do Tribunal do Júri determinar que o réu, durante todo o julgamento, se sente numa cadeira que é colocada no meio do plenário, entre a mesa do Ministério Público e a da defesa. Talvez seja a expressão “banco dos réus” que tenha ensejado a crença de que assim deve ser.
Pois bem. Acontece que, seja pela antiga redação, seja pelas alterações implementadas pela Lei no. 11.689/2008, o Código de Processo Penal não contém nenhum dispositivo que defina o local em que o réu deve sentar-se a quando de seu julgamento pelo Tribunal Popular.
Inquietou-me essa omissão legislativa e a praxe supracomentada. Por isso a pergunta: qual o lugar em que o réu deve sentar-se no Tribunal do Júri?
Penso que, pelo menos durante a produção das provas em plenário (oitiva da vítima, inquirição das testemunhas, acareações, etc.), ele deveria sentar-se ao lado de seu defensor.
Com efeito, a nossa Constituição Federal garante aos acusados em geral a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, LV). E mais: no caso de julgamento pelo Tribunal do Júri, é assegurado ao réu não só a ampla defesa, mas a “plenitude de defesa” (CF, art. 5º, XXXVIII, a).
É cediço que a ampla defesa se materializa na autodefesa (exercida pelo próprio réu) e na defesa técnica (exercida pelo advogado). Como principal manifestação da autodefesa, tem-se o interrogatório do réu. Atento a isso, a precitada Lei no. 11.689/2008, que alterou profundamente o procedimento do Tribunal do Júri, determina, quanto à instrução em plenário, que o réu - se presente, é claro (CPP, art. 457) - seja interrogado após a oitiva de todas as testemunhas e a eventual realização de acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, esclarecimentos dos peritos e leitura de peças (arts. 473, §§ 1º, 2º e 3º, e 474).
Isso significa que a referida Lei, na esteira do pensamento moderno sobre o assunto, reconhece o interrogatório como meio de defesa pessoal do réu. Isso significa que, enquanto meio de defesa, o réu, salvo a necessidade concreta de retirá-lo do plenário (CPP, art. 212, com a redação que lhe foi dada pela Lei no. 11.690/2008), tem o direito de ouvir todos os depoimentos das testemunhas e presenciar as diligências autorizadas no § 3º do art. 473 do CPP.
E qual seria o objetivo maior de se permitir ao réu presenciar a produção da prova em plenário antes de ser interrogado? Certamente que viabilizar, em toda sua extensão e plenitude, a autodefesa, que – como dito alhures - se manifesta no interrogatório do réu e, a nosso sentir, na possibilidade de auxiliar seu defensor, sugerindo, v.g., perguntas a serem feitas as testemunhas ou dando informações que possam ajudar na sustentação da tese (ou teses) defensiva (s).
E como o réu poderá auxiliar seu defensor se, no momento da produção das provas em plenário, especialmente na colheita dos depoimentos da testemunhas (e da vítima, se possível), estiver sentando longe da banca da defesa?
Dir-se-á que o defensor pode ir até o réu obter informações. Ainda que assim seja, não é a mesma coisa. A melhor maneira de tornar plena no júri a autodefesa e a própria defesa técnica é permitir que o réu, durante a instrução em plenário, se sente ao lado de seu defensor.
Destarte, colocar o réu sentado no meio do plenário, durante todo o julgamento, é dificultar o exercício do seu direito de defesa, o que viola inexoravelmente o princípio constitucional da plenitude da defesa no júri (CF, art. 5, XXXVIII, a), nulificando o julgamento.
Alegar-se-á que, sentado ao lado do seu defensor, o réu poderá lançar um olhar intimidador para os jurados. Se esse é o receio, basta colocá-lo de costas para os jurados, mas ao lado de seu defensor; ou adverti-lo de que não poderá olhar para seus julgadores, sob pena de ser retirado do plenário.
Nesse contexto, força é reconhecer que, não bastasse a ausência de previsão legal acerca do lugar do réu no Tribunal do Júri, não há justificativa plausível para o costume forense de fazê-lo sentar no meio do plenário.
Portanto, já está na hora de mudar o tratamento dado ao réu nessa questão, permitindo-lhe que sente ao lado de seu defensor, com a cautela - se esse é o temor – de que ele não fique de frente para os jurados.
César Ramos da Costa. Advogado Criminalista no Estado do Pará.