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Exceção de impedimento e de incompatibilidade


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            Fomos contratados para patrocinar a defesa de um cliente nos autos de um processo criminal em que nos deparamos com a seguinte situação: nos autos de outro processo, nosso cliente opôs exceção de suspeição contra o Juiz Titular da mesma Vara em que tramita o processo em que atuaremos. O Juiz Titular, embora não tenha acolhido a exceção, absteve--se de continuar a praticar atos processuais nos autos principais, deixando tal incumbência ao Juiz Auxiliar.

                Até aí tudo bem.

            Acontece que referido Juiz Auxiliar foi arrolado na resposta do Juiz Titular nos autos da predita exceção de suspeição.

            Diante desse quadro fático ensejador de dúvida acerca da imparcialidade do Juiz Auxiliara para processar e julgar nosso cliente, resolvemos opor-lhe uma exceção de impedimento e de incompatibilidade. Para tanto – e diante da falta de modelos específico -, criamos um modelo para veicular as razões de nossa oposição. Ei-lo:

 

 

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito Auxiliar da______ Vara Penal da Comarca de ______________________/PA,

Dr....

 

Ref. Processo no...

 

 

 

“PROCESSO PENAL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. JUIZ. IMPARCIALIDADE. EXCEÇÃO DE IMPEDIMENTO E DE INCOMPATIBILIDADE. CABIMENTO. ARTIGOS 252, I E II, e 112 DO CPP. ACOLHIMENTO.

I – No processo penal, é cabível a exceção de impedimento e de incompatibilidade do juiz, a teor do art. 112 do CPP;

II – O devido processo legal reclama um juiz absoluta e induvidosamente imparcial;

III – Não pode servir no processo o juiz auxiliar que está arrolado como testemunha do juiz titular nos autos de exceção de suspeição;

IV – Exceção que merece acolhimento” (nossa ementa).

 

            J.C.A, já qualificado nos autos em epígrafe, por meio do advogado signatário (procuração anexa), vem, perante Vossa Excelência, opor-lhe a presente EXCEÇÃO DE IMPEDIMENTO E DE INCOMPATIBILIDADE, com fulcro nos arts. 1º, III, e 5º, LIV, da CF, art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos/1948, art. 8º, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), e arts. 252, I e II, e 112 do CPP, pelos fundamentos fáticos e jurídicos seguintes:

                                               

1. SINOPSE FÁTICA

 

            Como consta nos autos, o Excipiente responde à ação penal perante o Juízo da ___ Vara Penal desta Comarca, do qual Vossa Excelência é Juiz Auxiliar, como incurso nos termos dos arts. 33, § 1º, I e II, 35, 36, e 40, II, todos da Lei no. 11.343/06, e 333 do Código Penal (cf. cópia da denúncia – doc. 1).

 

            Até aí tudo bem.

 

            Ocorre que Vossa Excelência não pode atuar no processo em epígrafe, devido a seu IMPEDIMENTO e/ou INCOMPATIBILIDADE.

 

            Daí a presente exceção, por meio da qual se espera que Vossa Excelência, acolhendo-a, abstenha-se de servir no referido processo.

 

2. DO IMPEDIMENTO

 

            Data venia, Vossa Excelência não pode atuar no processo movido contra o Excipiente. Vejamos por quê.

 

            Como é cediço, a Constituição Federal consagrou em seu texto o princípio do due processo of law, garantindo que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art. 5º, LIV).

 

            Por devido processo legal deve-se entender o “processo desenvolvido na forma que estabelece a lei” (CAPEZ, Fernando. CURSO DE PROCESSO PENAL. 12 ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 30).

 

            E é no campo do devido processo penal que o direito ao julgamento por um juiz subjetiva e objetivamente imparcial se materializa.

 

            Deveras, do plexo de direitos e garantias inerentes ao devido processo legal constitucional (CF, art. 5º, LIV) faz parte o direito público subjetivo de ser julgado por juiz absolutamente imparcial, direito esse que tem suas raízes na dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

 

            Aliás, esse direito (de ser julgado por juiz imparcial), de tão relevante e caro às civilizações democráticas, está consagrado em todos os documentos jurídicos internacionais que versam sobre direitos humanos, especialmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos/1948 e a Convenção Americana de Direitos Humanos/1969 (Pacto de São José da Costa Rica).

 

Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele (Art. 10 da DUDH/1948) (grifamos).

 

            E, sendo signatário do Pacto de São José da Costa Rica (que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto no. 678, de 06/11/92, e que tem status de supralegalidade, conforme precedentes do STF: HC 87585 e RE 466343) -, o Brasil obrigou-se, via Poder Judiciário, a garantir a todas as pessoas o direito de ser julgado por juiz imparcial, nos termos do que dispõe o art. 8º, 1,  do referido Pacto, in verbis:

 

“Artigo 8º - Garantias judiciais:

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” (grifamos).

 

            Exatamente para garantir ao réu esse direito de ser julgado por Juiz imparcial é que o CPP prevê as hipóteses legais de impedimento (arts. 252 e 153) e de suspeição (art. 254) do juiz.

 

            Com todo respeito intelectual e moral que Vossa Excelência merece – e terá - do Excipiente e de seus defensores, o seu impedimento decorre do disposto no art. 252, I e II, do CPP, que reza:

 

“Art. 252.  O juiz NÃO poderá exercer jurisdição no processo em que:

I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;

II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha” (grifamos).

 

            Com efeito, Vossa Excelência foi arrolado como testemunha do Juiz Titular desta Vara, Dr._______________________, na sua resposta apresentada na Exceção de Suspeição oposta contra ele pelo Excipiente no processo-crime no.________, que apura o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei 10.826/03).

 

            Ate aí tudo certo, tudo normal, tudo juridicamente perfeito.

 

            Acontece que, sendo testemunha do Juiz Titular desta Vara na referida exceção de suspeição contra ele oposta, Vossa Excelência não pode continuar praticando atos processuais neste processo.

 

            Ora, é intuitivo, é compreensivo, é humano pensar que, nesse cenário, Vossa Excelência não terá a imparcialidade necessária para processar e julgar o Excipiente.

 

            Nesse contexto, o melhor que Vossa Excelência tem a fazer, para o bem do próprio processo e para a credibilidade da prestação jurisdicional que será materializada na espécie, é abster-se de atuar no aludido processo.

 

            Diz-se para bem do processo e da credibilidade da prestação jurisdicional, porque o impedimento legal do juiz constitui causa de nulidade de natureza absoluta. Disseram-no o STF e o STJ em julgados como estes:

 

“MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE VEM A JULGAR RECURSO INTERPOSTO PELO RÉU CONDENADO EM PROCESSO NO QUAL ESSE MESMO MAGISTRADO ATUOU, EM MOMENTO ANTERIOR, COMO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - INADMISSIBILIDADE - HIPÓTESE DE IMPEDIMENTO (CPP, ART. 252, II) - CAUSA DE NULIDADE ABSOLUTA DO JULGAMENTO - NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DESSE MESMO JULGAMENTO, SEM A PARTICIPAÇÃO DO MINISTRO IMPEDIDO - QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE PELA CONCESSÃO, DE OFÍCIO, DE "HABEAS CORPUS" EM FAVOR DO ORA AGRAVANTE” (STF – AI 706078 QO/RJ – 2ª T – Rel. Min. CELSO DE MELLO – j. 10/03/2009 – DJe 23/10/2009 (grifamos).

 

“(...) O impedimento é proibição legal do exercício da jurisdição, cujo descumprimento constitui nulidade absoluta” (STJ – HC 152713/RJ – 5ª T – Rel. Min. GILSON DIPP – j. 03/02/2011) DJe 21/02/2011).

 

            Portanto, recomendável – para não dizer imperioso – é seu afastamento do processo em referência.

 

3. DA INCOMPATIBILIDADE

 

            Dir-se-á que a presente exceção deve ser rejeitada, pois, segundo a jurisprudência dominante, o rol do art. 252 constitui numerus clausus, e a hipótese não se subsume perfeitamente ao referido dispositivo legal.

 

            Só mesmo um apego excessivo aos termos legais e à jurisprudência restritiva conduz a um argumento desses, porquanto uma simples interpretação sistemática do mencionado art. 252, I e II, do CPP, levaria à inevitável conclusão de que a hipótese é, sim, de impedimento.

 

            De qualquer sorte, o CPP prevê a possibilidade de, mesmo fora das causas legais de impedimento e/ou suspeição, o juiz abster-se de atuar no processo e, se não o fizer, a parte poderá arguir sua incompatibilidade. É o que decorre do art. 112 do CPP, in litteris:

 

“Art. 112.  O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição” (grifamos).

 

            E, permissa maxima venia, se a hipótese não for de IMPEDIMENTO (art. 252, II, CPP), inegavelmente será de INCOMPATIBILIDADE (art. 112, CPP).

 

            É que, à luz dos princípios constitucionais regedores do devido processo penal democrático de direito, não se pode conceber o julgamento do réu por JUIZ AUXILIAR que SERÁ TESTEMUNHA DO JUIZ TITULAR (DA MESMA VARA) NOS AUTOS DE EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO.

 

            Se isso acontecer, estará irremediavelmente concretizada uma violação ao princípio constitucional da imparcialidade.

           

            Ora, Excelência – isso já foi dito alhures -, no contexto normativo dos direitos e garantias individuais, exsurge o direito público subjetivo do réu de ser julgado por juiz absolutamente imparcial, direito esse que tem suas raízes na dignidade da pessoa humana, a qual – como se sabe – constitui um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III).

 

            Daí nosso modesto entendimento de que a situação de Vossa Excelência, se não se subsumir ao art. 252, I e II, do CPP, enquadra-se nos casos geradores de INCOMPATIBILIDADE, tal como prevista no precitado art. 112 do CPP.

 

            Saliente-se que a tese ora defendida encontra fundamento na melhor doutrina sobre o assunto.

 

            A propósito, o saudoso professor JULIO FABBRINI MIRABETE afiançou que “a incompatibilidade provém de graves razões de conveniência não incluídas entre os casos de suspeição ou de impedimento, estando geralmente prevista em leis de organização judiciária” (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL interpretado. 11. ed., São Paulo, Atlas, 2000, p. 345) (grifamos).

                         

            No mesmo sentido, EUGÊNIO PACCELI DE OLIVEIRA, que – diga-se de passagem – é Relator do Projeto do NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, e seu colega DOUGLAS FISCHER oferecem ao mundo jurídico uma lição magnífica. Ei-la:

 

“Diz o art. 112, CPP, que o juiz deverá declarar o seu impedimento ou incompatibilidade. Na verdade, podemos incluir a suspeição, não dita aqui, mas em outro espaço (art. 99, CPP), que também deve ser declarada pelo juiz, de ofício. Sabemos o que são os impedimentos e a suspeições, todos objeto e previsão específica em lei (arts. 252, 253, 254 e 255, CPP).

Mas, o que seria incompatibilidade?

Pensamos que reside aqui, por primeiro, o reconhecimento (necessário) da falibilidade do legislador. Ora, se a preocupação é com a imparcialidade do juiz (e de outros sujeitos processuais), não faria sentido acreditar ser possível a previsão, em abstrato, de todas as variantes do relacionamento humano e do comprometimento de julgar daí resultante.

Por isso, a regra da incompatibilidade, posta dessa maneira, propositadamente aberta, funciona como uma ampliação genérica e não prescrita expressamente das situações de vício à imparcialidade.

As conhecidas razões de foro íntimo do art. 135, parágrafo único, do CPC, não vieram a ter previsão expressa em nosso CPP, preferindo o legislador, acertadamente, deixar em aberto as possibilidades de incompatibilização do juiz com o processo. Cabe, portanto, precisamente aqui, semelhante oportunidade de afastamento voluntário do juiz, por razões que, segundo ele, interferiram na sua liberdade de julgar.

Mas não só com as razões de foro íntimo se pode aplicar o disposto no art. 112, CPP. É dizer: não só juiz pode recusar sua jurisdição, mas também as partes poderão fazê-lo, desde que apontem a existência de situação de fato, e de direito, em tudo assemelhada às causas do art. 252 e art. 253, sobretudo.

(...)

O que se tem no presente dispositivo, portanto, é uma reserva prudente da falibilidade da atividade legislativa, priorizando-se a tutela da qualidade da atuação jurisdicional, de modo a fazer valer, em sua inteireza, o princípio do juiz natural, que tem, em uma de suas faces, a exigência de imparcialidade” (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E SUA JURISPRUDÊNCIA. 3. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2011, p. 239/240) (grifamos).

 

            Será que a situação de Vossa Excelência não é muito, mas muito mesmo, semelhante à do art. 252, I e II, do CPP?...

 

            Nessa linha de raciocínio, calha ponderar que o mais importante, sob o ponto de vista pragmático, não é a distinção conceitual entre impedimento e incompatibilidade, mas, sim, o fato de que um e outra podem gerar, senão a inexistência, mas a nulidade (absoluta) dos atos processuais. É o que é adverte o insigne FERNANDO TOURINHO FILHO:

 

“A distinção, entretanto, entre impedimento e incompatibilidade é despicienda, uma vez que não há nenhum interesse prático em extremá-las. Quer se trate de impedimento, quer de incompatibilidade, os atos processuais praticados são com se não existissem, pois, nos termos do art. 252 do CPP, o Juiz não poderá exercer sua função em processos em que esteja impedido ou em que haja motivo legal de incompatibilidade. A consequência é uma só: anulam-se os atos praticados. Da mesma forma que haverá nulidade se se tratar de Juiz suspeito, com mais forte razão se houver motivo que gere incompatibilidade” (CÓDIGO DE (PROCESSO PENAL COMENTADO. 13. ed., São Paulo, Saraiva, 2010, p. 445, vol. 1) (grifamos).

 

            Portanto, Excelência, forçoso é reconhecer a INCOMPATIBILIDADE ora alegada, caso - é claro – não se reconheça tratar-se de impedimento.

 

4. CONCLUSÃO

 

            Ante todo o exposto, o Excipiente postula que Vossa Excelência acolha a presente EXCEÇÃO, reconhecendo ou o seu IMPEDIMENTO ou a sua INCOMPATIBILIDADE e determinando a remessa dos autos ao substituto legal.

 

            Caso não entenda assim, requer seja a presente devidamente autuada e remetida à instância ad quem, consoante preconiza o art. 100 do CPP.

 

            Neste ensejo, o advogado signatário declara, com base no art. 544, § 1º, 2ª parte, c/c art. 365, IV, ambos do CPC, que os documentos que instruem esta petição conferem com os contidos nos autos do processo principal (proc. nº_____________).

 

                                                           São os termos em que

                                                           Pede deferimento.

 

                                                           Local, data.

 

                                                           _____________________

                                                           César Ramos da Costa*

                                                               OAB/PA 11021

 

 

* CÉSAR RAMOS DA COSTA é advogado criminalista no Estado do Pará, Presidente do Instituto Paraense do Direito de Defesa - IPDD e membro da Academia Paraense de Júri – APJ.

** Artigo publicado na Revista Prática Jurídica, Ano XI, no. 120, de 31 de março de 2012, Ed. Consulex.