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A imparcialidade objetiva do juiz no processo penal brasileiro e a exceção de suspeição


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É inegável que o que materializa e revela o sentimento humano não são as intenções, mas os atos. O que fica para a história não são os desejos, mas as ações ou omissões perpetradas.

Pois bem. O exercício legítimo e legal da jurisdição pressupõe que, no caso concreto, o magistrado o faça não só com imparcialidade subjetiva (dimanada de sua relação com qualquer das partes), mas também com a chamada imparcialidade objetiva, que deriva não da relação do juiz com as partes, e sim de sua relação com os fatos da causa cuja apreciação lhe é submetida.

A imparcialidade objetiva demanda que, antes do momento de proferir a sentença, o juiz não tenha pré-juízos acerca dos fatos da causa sub judice. Esses pré-juízos podem dimanar do contato prévio do juiz com os fatos do processo, contato esse que, v.g., pode ter tido em outro processo. Pode, ainda, derivar da indevida antecipação de seu convencimento, materializando um prejulgamento da causa.

Ora, casos há em que magistrados praticam atos que outra coisa não denotam senão a falta dessa imparcialidade objetiva.

Assim, surge a pergunta: seria cabível a oposição de exceção de suspeição? A resposta positiva se impõe.

A questão é saber qual o fundamento jurídico para o cabimento de tal exceção, já que imparcialidade objetiva não está prevista no rol do art. 254 do CPP.

Em que pese a ausência de previsão legal, pensamos que questão deve ser analisada à luz dos princípios e regras constitucionais regedores do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).

Com efeito, do plexo de direitos e garantias decorrentes do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) faz parte o direito público subjetivo de ser julgado por juiz absolutamente imparcial, direito esse que tem suas raízes na dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Afinal, revela-se induvidoso que fere de morte a dignidade da pessoa humana o julgamento do réu por juiz parcial, seja subjetivamente, seja objetivamente.

Aliás, esse direito (de ser julgado por juiz imparcial), de tão relevante e caro às civilizações democráticas, está consagrado em todos os documentos jurídicos internacionais que versam sobre direitos humanos, especialmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos/1948 e a Convenção Americana de Direitos Humanos/1969 (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA).

Nesse particular, a Declaração Universal dos Direitos Humanos/1948, em seu artigo 10, preconiza:

 “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.   

E, sendo signatário do Pacto de San José da Costa Rica – que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto no. 678, de 06/11/92 e que tem status de supralegalidade, conforme entendimento do STF (cf. precedentes: HC 87585 e RE 466343) -, o Brasil obrigou-se, via Poder Judiciário, a garantir a todas as pessoas o direito de ser julgado por juiz imparcial, nos termos do que dispõe o art. 8º, 1,  do referido Pacto, in verbis:

“Artigo 8º - Garantias judiciais:

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” (grifamos).

Nessa conjuntura jurídica, a questão do prejulgamento e de situações como a do juiz que determinou a apuração de infração penal contra o réu a quem irá julgar não podem deixar de ser vistas como consubstanciadoras da falta de imparcialidade objetiva; não podem deixar de ser vistas como violadoras das garantias individuais; não podem deixar de ser encaradas como desrespeitosas à dignidade da pessoa humana; enfim, não podem deixar de ser concebidas como ensejadoras da exceção de suspeição do juiz. 

Afinal, como nos ensina o Ministro CÉZAR PELUSO, do STF, a falta da imparcialidade objetivaincapacita, de todo, o magistrado para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida, em relação à qual a incontornável predisposição psicológica nascida de profundo contato anterior com as revelações e a força retórica da prova dos fatos o torna concretamente incompatível com a exigência de exercício isente da função jurisdicional. Tal qualidade, (...), diz-se objetiva, porque não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa, sejam partes ou não (imparcialidade dita subjetiva), mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa, no sentido de que não haja ainda, de modo consciente ou inconsciente, formado nenhuma convicção ou juízo prévio, no mesmo ou em outro processo, sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir. Como é óbvio, sua perda significa falta de isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional (in voto-vista lançado nos autos do HC 94.641/BA – julgado em 11/11/2008, cujo acórdão foi publicado no DJ de 06/03/2009) (grifamos).

A propósito, ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, ao discorrerem sobre a questão da imparcialidade do juiz, afiançam:

“A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir um juiz imparcial: e o Estado, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas” (TEORIA GERAL DO PROCESSO. 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 52) (grifamos).

No mesmo rumo é a advertência do mestre TOURINHO FILHO:

“Não se pode admitir um Juiz imparcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de dar a cada um o que é seu, essa missão não seria cumprida se, no processo, não houvesse imparcialidade do Juiz” (MANUAL DE PROCESSO PENAL. 10. ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 18).

Portanto, força é reconhecer que, no contexto normativo-constitucional do devido - e justo - processo legal, é cabível a oposição de exceção de suspeição por falta de imparcialidade objetiva do juiz.

 

César Ramos da Costa. Advogado Criminalista no Estado do Pará.

* publicado no Informativo Jurídico Consulex no. 21, de 24 de maio de 2010.