HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO POR ABUSO DE PODER*
No exercício do direito de defesa de um cliente nosso, tivemos que impetrar um habeas corpus liberatório ao argumento de que sua prisão preventiva foi decretada com ABUSO DE PODER, argumentação essa que não é muito comum de se encontrar na doutrina e na jurisprudência.
O Tribunal de Justiça do Estado do Pará reconheceu o abuso de poder alegado na impetração e concedeu a ordem.
Eis a as razões da impetração:
Excelentíssima Senhora Desembargadora Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará
CÉSAR RAMOS DA COSTA, nacionalidade, estado civil, advogado inscrito na OAB/PA sob o no. 11.021, vem, perante este augusto Tribunal, impetrar HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO, com pedido de LIMINAR, com fulcro nos arts. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, e 647 e 648, I, do Código de Processo Penal, em favor de J.C.A., nacionalidade, estado civil, profissão, filiação, endereço, contra ato ilegal dos Excelentíssimos Senhores Juízes de Direito R.T.M.C e W.S.C, que ora respondem pelo JUÍZO DA ... VARA DA COMARCA DE _______________/PA, praticado nos autos do processo-crime no..., pelas razões fáticas e jurídicas seguintes:
- SINOPSE FÁTICA
O Paciente é réu nos autos dos processos 000000, 11111, 22222 e 33333, que tramitam perante supracitado Juízo (cf. doc. 1).
Até a tarde – porque no INÍCIO DA NOITE* esse quadro mudou – do último dia 30 de outubro, a situação prisional do Paciente, em cada processo, era a seguinte:
- a) nos autos do processo no. 00000, em que é denunciado pelos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e corrupção ativa (CP, art. 333), o Paciente foi preso no dia 25 de agosto do ano passado, por força de decreto de prisão temporária posteriormente convertida em prisão preventiva;
- b) nos autos do processo 11111, em que é denunciado pelo crime de associação para o tráfico, o Paciente foi preso preventivamente no dia 28 de setembro do ano passado.
- c) nos autos do processo 22222, em que foi denunciado e condenado pelo crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, o Paciente foi preso em flagrante, prisão essa que foi convertida em preventiva e mantida na sentença que o condenou a 2 (dois) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão (sic) – detalhe: a sentença foi proferida pelo 1º Juiz coator (cf. doc. 2); e
- d) nos autos do processo no. 33333, em que foi denunciado como incurso no art. 1º, I, § 1º, I e II, § 2º, I, e § 4º, da Lei 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro), o Paciente SEMPRE ESTEVE EM LIBERDADE, desde a fase de investigação policial até o INÍCIO DA NOITE* do último dia 30 do mês passado.
No curso dos processos pelos quais estava preso, o Paciente acabou ganhando a liberdade, nesta sequência:
- a) em 03/08/2012, foi solto nos autos do processo 00000, por decisão do juiz... (cf. docs. 1 e 3);
- b) em 02/10/2012, foi solto nos autos do processo 11111, por decisão do juiz... (cf. docs. 1 e 4); e
- c) nos autos do processo no. 22222, ganhou o direito de recorrer em liberdade, por decisão das Câmaras Criminais Reunidas, que, na sessão ordinária do dia 29 do mês passado, concederam ordem de habeas corpus liberatório (cf. doc. 5).
Embora no último dia 29 de outubro o Paciente estivesse preso apenas pelo processo 22222, a que se refere o habeas corpus cuja ordem liberatória foi concedida pelo TJPA, ele não foi solto. Continuou preso.
Isso porque, enquanto eram adotadas as providências necessárias à sua liberação (ex.: realização de pesquisa acerca da existência ou não de outras prisões), ao serem comunicados por este Tribunal de Justiça acerca da concessão do habeas corpus (cf. doc. 6), os Juízes coatores, visando a frustrar – e conseguiram - a ordem de soltura do Paciente, no *INÍCIO DA NOITE DO DIA SEGUINTE, ou seja, ÀS 18h15min do dia 30/10/2012, decretaram, de ofício, a prisão preventiva dele, nos autos do processo no. 33333, exatamente aquele em que ele SEMPRE ESTEVE EM LIBERDADE (cf. doc. 7).
Nesse contexto, o Paciente está sob o jugo de constrangimento ilegal em seu sagrado direito de ir e vir, devido o indisfarçável “ABUSO DE PODER” perpetrado pelas indigitadas autoridades coatoras.
Daí a presente impetração, por meio da qual se busca a liberdade do Paciente.
- A COAÇÃO ILEGAL: O ABUSO DE PODER PRATICADO PELOS JUÍZES COATORES
Como é cediço, a Constituição Federal preconiza que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (CF, art. 5º, LXVIII) (grifamos).
Data maxima venia, é a hipótese da impetração. Senão vejamos.
A denúncia, nos autos do processo no. 33333 foi oferecida no dia 08/08/12 (cf. doc. 9).
Isso significa que os autos estavam conclusos para análise acerca do recebimento ou não da denúncia há mais de 80 (OITENTA) DIAS, sendo certo que os Juízes coatores só resolveram proceder a essa análise, recebendo a denúncia e decretando a prisão do Paciente logo após serem comunicados da ordem de soltura expedida pelo TJPA (cf. docs. 6-8).
Daí a pergunta que não quer calar: o que houve na espécie foi mera coincidência ou abuso de poder?...
O conjunto dos fatos e das circunstâncias do caso permite asseverar, sem medo de errar, que o que houve foi um nítido e abominável ABUSO DE PODER.
Ora, Excelência, os Juízes coatores, principalmente o Dr. R.T.M.C., para quem os autos foram conclusos assim que a denúncia foi oferecida, tiveram tempo de sobra para analisar o recebimento da denúncia e, quiçá, decretar anteriormente a prisão do Paciente.
Por que não o fizeram, já que tiveram mais de 80 (OITENTA) DIAS da data do oferecimento da denúncia até a data do decreto prisional em comento?... Por que resolveram receber a denúncia e decretar, às 18h15min do dia 30/10/2012, a prisão do Paciente justamente após serem comunicados da concessão da ordem de habeas corpus que lhe garantiu o direito de recorrer em liberdade e que, em razão da inexistência de outras prisões, lhe permitia ser imediatamente liberado?... Por quê?...
Houve, ou não, um ABUSO DE PODER?!...
Saliente-se, por oportuno, que – como dito alhures – quem proferiu a sentença a que se referia a ordem de habeas corpus concedida pelo Tribunal de Justiça do Pará no último dia 29 de outubro foi o 1º juiz coator (o juiz R.T.M.C.), que mesmo tendo condenado o Paciente à pena de 2 (dois) anos 1 (um) e 15 (quinze) dias de reclusão (a Lei 10.826/03 prevê detenção), impôs-lhe o regime inicial semiaberto e negou-lhe o direito de apelar em liberdade, decisão essa que foi reputada ilegal por este Tribunal ao conceder o aludido writ (cf. acórdão - doc. 10).
Será que o 1º juiz coator (Dr. R.T.M.C.) se sentiu afrontado por este Tribunal de Justiça a ponto de, ao ser comunicado da concessão da mencionada ordem liberatória, resolver fazer o que não tinha feito em mais de 80 (oitenta) dias, recebendo a denúncia e decretando, de ofício, a prisão do Paciente no início da noite do dia 30 de outubro?!... Será que foi isso?!...
E será que o 2º juiz coator, em solidariedade ao 1º coator – de quem é amigo -, resolveu assinar o despacho que recebeu a denúncia e o decreto prisional?!... Será?!...
Nesse diapasão, vale insistir que, em relação ao processo a que se refere esta impetração, o Paciente SEMPRE ESTEVE EM LIBERDADE, desde a instauração do Inquérito Policial que embasa a denúncia, o que se deu em 14 de setembro de 2011 (cf. portaria – doc. 11).
Isso significa que, entre a instauração do Inquérito Policial e a decretação da prisão preventiva do Paciente, transcorreu um lapso de MAIS 1 (UM) ANO E 1 (UM) MÊS. Será que só agora a prisão do Paciente se revelou necessária?!... Ou, como parece ser, ela só foi decretada como forma de FRUSTRAR a ordem de soltura expedida por este Tribunal e, assim, impedir a liberação do Paciente?!...
Houve, ou não, um ABUSO DE PODER?!...
Dir-se-á que, como fazem os coatores, que o ato prisional em testilha está revestido de legalidade, porquanto o art. 311 do CPP permite a decretação ex officio da prisão preventiva durante a fase processual.
Não é bem assim, Excelência!
Os poderes legais de que o magistrado, enquanto agente do Estado, dispõe para garantir a efetividade do processo devem ser exercidos com ética e com lealdade processual.
No caso, está evidente que as autoridades coatoras, sob a “máscara da legalidade”, perpetraram um indisfarçável e abominável ABUSO DE PODER, na medida em que, após 80 (oitenta) dias da data do oferecimento da denúncia e imediatamente depois de serem comunicados da concessão da ordem de habeas corpus liberatório em favor do Paciente no último processo pelo qual estava preso, resolveram receber a denúncia e, de ofício, decretar a prisão preventiva dele, tudo isso no início da noite do dia 30/10/12, frustrando, assim, a decisão do TJPA e impedindo a soltura do Paciente.
E, se houve ABUSO DE PODER, o caso passa a ser dos mais graves, pois se trata também de ABUSO DE AUTORIDADE, nos exatos termos do art. 4º, a, da Lei 4.898/1965, in verbis:
“Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
- a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder” (grifamos).
O mais interessante é que, de forma estranha e incomum, os juízes coatores resolveram assinar em conjunto tanto o despacho que recebeu a denúncia quanto a decisão prisional - o Impetrante nunca viu isso acontecer na Vara em que laboram.
Com base em que lei ou ato normativo os Juízes coatores “decidiram” e assinaram em conjunto?!...
A pergunta é pertinente porque o art. 4º da Resolução 008/2007-GP/TJPA, que previa a assinatura conjunta nos processos daquela Vara Criminal foi revogado pelo art. 3º da Resolução 004/2009-GP/TJPA (cf. doc. 12-13).
Talvez na ânsia de FRUSTRAR a ordem deste Tribunal e evitar a soltura do Paciente, os juízes coatores não tenham se dado conta da revogação do precitado art. 4º da Resolução 008/2007-GP.
Como diz um aforisma popular: “quando a arbitrariedade chega, a inteligência se retira”.
Portanto, Excelência, força é reconhecer, na espécie, a configuração de um verdadeiro e indisfarçável ABUSO DE PODER, situação que recomenda – para não dizer impõe – a concessão do presente writ.
3. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto e sem querer incorrer em vã logomaquia, o Impetrante postula:
- A concessão da liminar ora pretendida, determinando ou a expedição de ALVARÁ DE SOLTURA em favor do Paciente, até ulterior deliberação desta Corte; e
- Por fim e após as formalidades de praxe, seja definitivamente concedida a ordem impetrada, assegurando-lhe o direito de responder em liberdade a supracitada ação penal que se iniciou no Juízo coator (ref. Proc. 33333), ou substituindo a prisão por quaisquer das medidas cautelares previstas no predito art. 319 do CPP.
Neste ensejo, o Impetrante declara, com base no art. 544, § 1º, 2ª parte, c/c art. 365, IV, ambos do CPC, que os documentos que instruem este HC conferem com os contidos nos autos do processo nº... e dos demais processos citados na impetração, que se encontram no Juízo coator.
De mais a mais, aguarda-se por... J U S T I Ç A !!!
Local, data
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CÉSAR RAMOS DA COSTA**
OAB/PA no. 11021
* Artigo publicado na Revista Prática Jurídica, Ano XIV, no. 154, de 31 de Janeiro de 2015, Editora Consulex.
** CÉSAR RAMOS DA COSTA é advogado criminalista no Estado do Pará e membro-fundador do Instituto Paraense do Direito de Defes