Discurso de encerramento do Programa de Formação de Tribunos "IPDD no Tribunal do Júri"
O Estado nos massacra, rumina nossas dores e cospe em nossa face. Nossa humanidade se esvai pelos ralos imorais da sociedade. Sempre tive em mim um sentimento aguerrido por aquilo que é justo. E assim, para o alívio de minha alma pude conhecer o Instituto Paraense de direito de Defesa (IPDD).
Quando olho para Dra. Bruna, vejo alguém capaz de aclarar, de desanuviar a humanidade das pessoas mesmo em um ambiente tão sórdido que é o cárcere. Não tenho dúvida que ela representa o sentimento primordial que deve florescer no IPDD.
O direito de defesa na maioria das vezes nos parece tão utópico, intangível, etéreo, tão desacreditado e para alguns tão sórdido, mas quando temos como presidente a Dra. Bruna, como membros o Dr. César, Dr. Ivanildo, Dr. Malcher, Dr. Luiz Pina, Dr. Luiz Araújo, Dr. Afonso e Dr. Israel vejo o desejo de inconformismo ante esta situação. Afinal, olhar para um indivíduo que cometeu crimes execráveis e ser capaz de garantir seu direito de defesa é o que há de mais humano, visto que a civilização nasce com a capacidade de olhar no outro um ser igual a nós.
É este sentimento que o IPDD nos chama a ter, por isso digo a sociedade que grite na minha face: sonhadora, inocente, defensora de bandido! Que tripudie do meu sentimento de justiça, pois enquanto esta sociedade ignorante crer qu e me fere o corpo, minha alma regojiza tranquila da justeza de meus feitos.
Portanto, Senhores, trilhem sempre o caminho que vocês acreditam sem medo de ser expurgado pela sociedade não pensante. Não se acovardem perante o que parece imoral. Não temam guerrear pelo que é justo.
E a força para a luta encontramos quando acordamos todos os dias e sentimos sobremaneira que aquilo que fazemos nos faz realizado até a última porção do que nos forma. Afinal, sendo membro do IPDD, uma das formas de sermos felizes é olhar para o espelho e acreditar que sem lutar pelo direito de defesa dos seres humanos não existimos.
Rainer Maria Rilke, autor do meu livro de cabeceira, “Cartas a um jovem Poeta” diz:“Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever ; comprove se ele se estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa da madrugada: preciso escrever ? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples “Preciso”, então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso.” Portanto, invoquem este sentimento em toda e qualquer atuação advocatícia que terão. E não se intimidem em gritar em todos os rincões do poder judiciário a firmeza do direito de defesa.
Confesso que fiquei muito feliz em ver a desenvoltura de todos os amigos no júri simulado. Ao meu lado, representando naquele momento a defesa, estavam amigos que me proporcionaram uma felicidade muito grande, que mesmo diante das dificuldades que tivemos comprovaram estarem dispostos a fazer um exímio trabalho. Portanto muito obrigada Dra. Alessandra, Dr. Ivan, Dr. Helder, Dra. Renata e Dr. Luiz Araújo a quem deposito os meus mais nobres sentimentos de agradecimentos.
Do outro lado, representando a promotoria, pude ver tamanha excelência no trabalho, mesmo de um nervosismo, que não abateu ninguém, foi extremamente honroso olhar para o outro lado e não enxergar inimigos, mas amigos que se sobrelevaram no trabalho realizado. Por isso meus sinceros agradecimentos: Dr. Henrique, Dr. Paulo, Dr. Rogério, Dr. Josué, Dra. Nathália e Dr. Afonso.
Pela tarde, afiguraram-se profissionais do mais alto estirpe, que duelaram como verdadeiros advogados, com firmeza e justeza , por isso minhas congratulações: Dra. Karem, Dr. Ênio, Dr. Fábio, Dr. Glauber, Dr. Ivanildo, Dr. Plínio, Dra. Juliane, Dr. Mayco, Dr. Tony heber, Dr. Francelino e Dr. Israel.
Senhores, não falo de maneira hipócrita. Sei que são jovens advogados, mas isso não diminuí em nenhum momento o conceito que tenho dos senhores. Eu vi nos olhos de cada um, neste simulado, a ambição, e não pensem que a ambição é um sentimento ruim. Ambição é a obstinação intensa para conseguir determinado propósito. Quando é usada para o bem ela sobreleva o ser humano.
Milan Kundera, também um de meus autores favoritos, em um trecho de seu livro “ A identidade”' fala sobre o homem sem ambição: “ De repente me tornei um homem sem ambições. E tendo perdido minhas ambições, me vi na mesma hora à margem do mundo. E, pior ainda: não sentia nenhuma vontade de estar em outro lugar. Minha vontade era ainda menor porque nenhuma miséria me ameaçava. Mas se você não tem ambições, se não está ávido de sucesso, de ser reconhecido, você se instala à beira da queda”. Então, não percam a ambição pois ela nos impulsiona a melhorar a cada dia.
O advogado também não pode perder o sentimento de se sensibilizar diante da dor dos outros. Queria neste momento agradecer ao Dr. Malcher pela sua última aula, não sou a mesma pessoa que entrou naquela sala. Senti naquela aula, perante um caso tão asqueroso, uma dor tão profunda que não pude fazer outra coisa a não ser chorar em casa, desestabilizei-me e meu coração comprimiu de tristeza. O Dr. Malcher nos levou para o esgoto do mundo, defrontou-nos para face feia da vida, esbofeteou-nos, escandalizou-nos e nos tornou mais humano, mais próximo da pessoa que somos chamados todos os dias a ser, pessoas que agonizam pelos infortúnios da vida alheia, posto que chorar pela dor do outro é uma amostra de nossa alteridade.
Ontem no Júri Real, ao qual fui convidada pelo Dr. César, que me deixou muito feliz e honrada de dividir a tribuna com um profissional a quem reputo uma enorme admiração, senti o que Noélio de Melo fala em seu livro “Entre o riso e o Pranto”: “ Amanhã não mais serei retalhos serei inteiro. Não espalharei pelas ruas meus pedaços, os duros recados da vida. Serei a imagem da força, braço estendido, mãos acariciantes, passos firmes buscando caminho perdidos na bruma do tempo.” Senti isso, pois não estava sozinha, no público estavam amigos apoiando muito obrigada Dr. Pina, Dr. Luiz Araújo, Dr. Plínio, Dra. Nadjila, Dr. Israel, Dr. Paulo, Dra. Manuela, Dra. Maisa e Dr. Olímpio.
Aliás, Senhores, a certeza da inocência de alguém é algo que transcende o individual e tudo de mais nobre que há em nós grita pela liberdade.
Quando saiu a sentença de absolvição me aliviei junto ao meu cliente. Um ser humano sobre o qual recaía todo estigma do tribunal do júri, em que todo o peso fraudulento, desumano o execrava para a vala da sociedade, e isto foi o que me impulsionou a lutar, mesmo diante do caos armado por um Estado perverso que sapateia nas nossas feridas.
Queridos Amigos, nunca percamos o sentimento de luta contra as injustiças, nunca percamos o desejo pela mudança, nunca deixemos de ser criança, pois a criança não é incrédula, o adulto se contamina com o desespero de que a sociedade está um caos, mas a criança é inocente, é pura e fiel aos seus sonhos.
Bertolt Brecht diz:“ Desconfiai do mais trivial, na aparência singela. Examinais, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempos de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.”
Muito Obrigada !!!
Belém, 03 de junho de 2015.
ANNA CAROLINA SILVA SANTOS