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Negativa de prestação jurisdicional e violação de direitos humanos


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NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS[1]

 

CONSTITUTIONAL PROVISION OF NEGATIVE AND HUMAN RIGHTS

 

César Ramos da Costa[2]

Plínio de Freitas Turiel[3]

 

Resumo: O Brasil é obrigado a prestar efetiva tutela jurisdicional aos direitos lesados ou ameaçados de lesão, quando legítima e legalmente provocado por meio do remédio jurídico cabível na espécie. Há casos, entretanto, em que a justiça brasileira se nega a se desincumbir dessa obrigação e, com isso, acaba violando direitos humanos reconhecidos em normas positivadas em documentos jurídicos internacionais dos quais o Brasil é signatário e que já foram incorporados ao ordenamento jurídico nacional. É a hipótese do caso estudado neste artigo, em que se verificou a negativa de prestação jurisdicional e a consequente violação de direitos humanos, quais sejam, os direitos à liberdade de locomoção e à tutela judicial efetiva.

 

Palavras-chave: Prestação jurisdicional. Negativa. Direitos Humanos. Violação. Estudo de caso.

 

Abstract: Brazil is obliged to provide effective judicial protection to any harmed person, or threatened rights of injury when legitimate and legally triggered through the appropriate legal remedy. There are cases, however, where Brazilian courts refuse to discharge of this obligation which violate human rights recognized in positive standards, included in international legal documents which Brazil is a signatory and have been incorporated into national law. It is the hypothesis of the case studied in this article, which saw the denial of adjudication and the consequent violation of human rights, namely the rights to freedom of movement and effective judicial protection.

  

Keywords: Judicial service. Negative. Human rights. Violation. Case study. 

Sumário: 1. Introdução – 2. O caso concreto – 2.1. A omissão da pronúncia e o primeiro habeas corpus – 2.3. O segundo habeas corpus – 3. A decisão de pronúncia e a necessidade de fundamentação da prisão – 3.1. A jurisprudência e sua mudança de entendimento sobre a omissão da pronuncia a respeito da prisão – 4 – Direitos humanos e negativa de prestação jurisdicional – 4.1 A tutela jurisdicional efetiva como direito humano – 4.2. A violação de direitos humanos em razão da negativa de tutela jurisdicional efetiva - 5. Conclusão - 6. Referências.

 

1 INTRODUÇÃO

 

            A Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de Santo José da Costa Rica) reconhecem vários direitos inerentes à pessoa humana. São os chamados direitos humanos.

            Entre esses direitos está o direito à liberdade de locomoção e à tutela jurisdicional efetiva.

            Há casos, entretanto, em que esse direito à tutela jurisdicional efetiva não é assegurado ou é postergado pelo Estado-juiz, o que pode caracterizar uma violação de direitos humanos consagrados em textos jurídicos internacionais subscritos pelo Brasil.

            Este artigo é desenvolvido com base no estudo de um caso em que três homens são acusados da prática do crime de homicídio triplamente qualificado nos autos de um processo criminal que tramita na Comarca de Igarapé-Açu, Estado do Pará.

           O objetivo é verificar se houve negativa de prestação jurisdicional por parte do judiciário paraense, e se essa negativa implicou violação de direitos humanos dos acusados, especialmente o direito à liberdade de locomoção e à tutela judicial efetiva.

            Não se pretende esgotar o assunto. Pretende-se apenas analisar, a partir do caso estudado, a violação de direitos humanos pela negativa de prestação jurisdicional e, com isso, incentivar o debate sobre o tema.

 

2 O CASO CONCRETO

 

            A.R.C.J. e M.M.B., foram denunciados perante o Juízo da Comarca de Igarapé-Açu, Estado do Pará, como incursos nos termos do art. 121, § 2º, I, II, IV, c/c art. 29, e art. 288, parágrafo único, todos do Código Penal brasileiro, porque, na madrugada do dia 3 de novembro de 2013, teriam ceifado a vida da vítima M.B.S.[4]

            A denúncia foi oferecida e recebida no dia 22 de maio de 2014, ocasião em que o Juízo processante houve por bem decretar a prisão preventiva dos acusados, que foram presos no dia 28 do mesmo mês.

            Após a apresentação das Respostas à Acusação dos acusados, a denúncia foi aditada contra E.N.A.F. O aditamento foi recebido no dia 15 de setembro de 2014, tendo sido decretada, no mesmo ato, a prisão preventiva desse acusado, que foi preso dias depois.

            O fato é que, após a audiência de instrução prevista no art. 411 do Código de Processo Penal (CPP), os acusados foram pronunciados nos termos da denúncia e do aditamento, a fim de que sejam submetidos a julgamento perante o tribunal do júri.

            Após a preclusão da decisão de pronúncia, o Ministério Público requereu o desaforamento do julgamento dos acusados, pelo que os autos do processo foram remetidos ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA).[5]

           

2.1 A OMISSÃO DA PRONÚNCIA E O PRIMEIRO HABEAS CORPUS

 

            A decisão de pronúncia não se manifestou sobre a necessidade da manutenção, ou não, da prisão preventiva dos acusados. Nesse ponto, foi silente, não teceu uma única linha sequer sobre a questão.

            Por isso, impetrou-se no TJPA um habeas corpus em que se pretendeu o reconhecimento de constrangimento ilegal sobre a liberdade locomotora dos acusados, devido à omissão da pronúncia no tocante a prisão preventiva decretada durante o curso do processo.

            O TJPA denegou a ordem impetrada, nos termos do acórdão assim ementado:

 

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR. CRIME TIPIFICADO NOS ARTS. 121, § 2º, I, II e IV, C/C 288 CPB. PRONÚNCIA. OMISSÃO QUANTO À MANUTENÇÃO OU REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. OFENSA AO DISPOSTO NO ARTIGO 413, § 3º DO CPP. OMISSÃO QUE NÃO SE CONFUNDE COM AUSÊNCIA DE MOTIVOS. NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO POR PARTE DO JUÍZO A QUO. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM APENAS PARA QUE A AUTORIDADE COATORA SE MANIFESTE ACERCA DA MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA DOS PACIENTES.[6]

            Com efeito, o TJPA entendeu por conceder parcialmente a ordem de habeas corpus não para liberar ao acusados, e sim para que o juízo da Comarca de Igarapé-Açu se manifestasse acerca da manutenção da prisão preventiva.

           

2.3 O SEGUNDO HABEAS CORPUS

 

            Como os autos do processo tinham sido remetidos ao TJPA para análise e decisão acerca do pedido de desaforamento feito pelo Ministério Público, o juiz de Igarapé-Açu não pôde se manifestar sobre a prisão dos acusados.

            Em razão disso, foi impetrado no TJPA outro habeas corpus em que se alegou a negativa de prestação jurisdicional e a violação de direitos humanos dos acusados.

            Dessa vez, o TJPA denegou a ordem impetrada, conforme o acórdão que recebeu esta ementa:

 

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR ? ARTIGOS 121, §2°, I, II, IV c/c 29 e 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL ? ALEGA O IMPETRANTE A OMISSÃO NA DECISÃO DE PRONÚNCIA SOBRE A NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DA PRISÃO DOS PACIENTES, POSTO QUE O PROCESSO FOI REMETIDO PARA ESTE EGRÉGIO TRIBUNAL, EM RAZÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO TER REQUERIDO PEDIDO DE DESAFORAMENTO DO JULGAMENTO, SEM QUE O JUÍZ TENHA SE MANIFESTADO A RESPEITO, PERMANECENDO A OMISSÃO ? Improcedência. Empreende-se dos autos que não há inércia do juízo, encontrando-se impossibilitado de cumprir a decisão do Colegiado, posto que os autos foram remetidos para Este Tribunal no dia 04/03/2015, não havendo qualquer ilegalidade, provocada pela conduta do juízo. Outrossim, sugiro que os autos retornem imediatamente à Comarca de Origem para que o juízo cumpra no prazo de 48 (quarenta e oito) horas a decisão deste Colegiado. Após a apreciação, seja devolvido ao Tribunal para julgamento do Pedido de Desaforamento. Por tratar-se de crime de homicídio qualificado, com sentença de pronuncia transitada em julgado. ORDEM DENEGADA, nos termos da fundamentação do voto.[7]

 

            Assim, os acusados continuaram presos, aguardando o desenrolar do processo.

           

3 A DECISÃO DE PRONÚNCIA E A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO

 

            A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) consagra o princípio da motivação das decisões judiciais em seu art. 93, IX, que reza in litteris:

 

Art. 93. ..........................................................................................................................

 

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (grifo nosso).

 

            Em relação à matéria de prisão, essa exigência de fundamentação da decisão prisional está no art. 5º, LXI, da CRFB, in verbis:

 

Art. 5º. (...)

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. (grifo nosso).

 

            Com efeito, esse dispositivo constitucional preconiza que, afora os casos de prisão em flagrante e de infrações tipicamente militares, a privação da liberdade somente se legitima quando imposta por decisão devidamente fundamentada.

            Daí a convicção de que a fundamentação constitui requisito de validade e eficácia da decisão judicial. Por isso mesmo, a ausência de fundamentação implica nulidade absoluta da decisão, conforme previsto no citado art. 93, IX, da CRFB.

            Deveras, “não há dúvida de que a exigência de motivação abrange todas as decisões relevantes do processo, definitivas ou interlocutórias, principalmente quando estas afetem direitos individuais.” (FERNANDES, 2012, p. 140).

            No que diz respeito às decisões prisionais, calha ressaltar que a fundamentação exigida pelas referidas normas constitucionais deve calcar-se em dados concretos que, sob a ótica da cautelaridade, revele a necessidade da medida. Afinal, “fundamentar é indicar o fato que atrai, no caso, a norma restritiva do exercício do direito de liberdade”. (grifo nosso).

            A decisão de pronúncia, porque atinge direitos individuais do réu, especialmente o direito de liberdade, não foge à regra da fundamentação. Deve, portanto, fundamentar a mantença, a revogação ou a substituição da prisão preventiva por medida cautelar alternativa.

            Essa exigência de fundamentação da pronúncia quanto à prisão dimana não só dos referidos artigos 5º, LXI, e 93, IX, da CRFB, mas também da letra do art. 413, § 3º, do CPP, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 11.689, de 9 de junho de 2008.

            Esta é a novel dicção do mencionado art. 413, § 3º, do CPP, in verbis:

 

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

  • 3º. O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (grifo nosso).

 

            Esse § 3º do art. 413 do CPP nada mais fez do que positivar o que tanto a doutrina quanto a jurisprudência, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) defendiam de forma uníssona: a decisão de pronúncia deve sempre se manifestar sobre a manutenção, revogação ou decretação da prisão do pronunciado.

            Isso significa que nem mesmo a circunstância única da custódia durante o curso do processo autoriza o Juiz pronunciante a rechaçar imotivadamente a pretensão liberatória. Absolutamente. Para denegar a liberdade, é imprescindível que, na decisão de pronúncia, fique demonstrada a existência de fato concreto que revista de cautelaridade a prisão quiçá mantida.

            À guisa de exemplificação, confira-se este julgado do STJ:

 

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE O TRÂMITE PROCESSUAL. VEDAÇÃO AO APELO EM LIBERDADE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ARGUMENTO QUE NÃO SE PRESTA A RESPALDAR A CUSTÓDIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. (...) IV. A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento no sentido de que é indispensável a presença de concreta fundamentação para o óbice ao direito de recorrer em liberdade, com base nos pressupostos exigidos para a prisão preventiva, ainda que o réu tenha permanecido preso durante a instrução processual. Precedentes.[8]

        

         Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2009, p. 276), ao discorrem sobre a fundamentação da pronúncia no que tange à prisão, advertem:

 

De qualquer modo, é preciso ressaltar que é imperiosa, para o juiz da pronúncia, a formulação de uma decisão expressa e fundamentada a respeito, tanto quando mantém a prisão preventiva anteriormente decretada, como quando a determina no momento da pronúncia. Aqui, vale lembrar que nem sempre persistirão os motivos que justificaram a prisão num momento anterior, como, por exemplo, a conveniência da instrução. Por isso, será indispensável que a fundamentação tenha em conta os fatos e as exigências cautelares que se apresentam na fase processual em exame.

 

         No mesmo sentido, Oliveira (2013, p. 732) leciona:

E na linha agora de um processo já informado pelos sopros das garantias constitucionais, o art. 413, § 3º, CPP exige que tanto a manutenção daquele que ela se encontrar quanto a decretação da prisão preventiva que se mostrar necessária naquele momento sejam motivadas judicialmente, com o que restou revogada não só a prisão decorrente de pronúncia (texto revogado do art. 408), como, mais adiante, no art. 594 - esse revogado expressamente - a prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível.

 

            Sobre o assunto, Nucci (2012, p. 807-808) também pondera:

 

Prisão por pronúncia: a nova medida para a decretação de prisão cautelar é o cenário da prisão preventiva, com os requisitos estampados no art. 312 do CPP. Não mais interessa a análise da primariedade ou da reincidência, nem dos bons ou maus antecedentes. Entretanto, deve o juiz, ao pronunciar o réu, manifestar-se, expressamente, motivando qual caminho adotará em relação à prisão ou à liberdade. Se o acusado estiver solto, a regra é assim permanecer, salvo se algum dos requisitos do art. 312 do CPP se fizer presente. Se estiver preso, pode assim permanecer, devendo o magistrado indicar o fundamento, calcado no referido art. 312. Pode, também, ser colocado em liberdade, desde que não mais existam requisitos autorizadores da prisão processual. (grifo do autor).

 

            É induvidoso, portanto, que a decisão de pronúncia deve reportar-se motivadamente à prisão do réu, quer para mantê-la, quer para revogá-la, quer para substituí-la por medida cautelar diversa da prisão. A uma, porque, como espécie de prisão provisória, está orientada pelo princípio rebus sic stantibus, segundo o qual a necessidade da custódia deve ser avaliada de acordo com o estado da causa, ou melhor, com a fase do processo; a duas, porque passa a ser o novo título justificador da prisão; a três, porque está regida pelo princípio constitucional da motivação (CRFB, art. 93, IX) e pelo texto do citado art. 5º, LXI, da CRFB; e, por último, porque a fundamentação das decisões judiciais, “mais do que uma exigência própria do Estado Democrático de Direito, é um direito fundamental do cidadão”. (CANOTILHO et al., 2013, p. 1324, grifo nosso).

 

3.1 A JURISPRUDÊNCIA E SUA MUDANÇA DE ENTENDIMENTO SOBRE A OMISSÃO DA PRONÚNCIA A RESPEITO DA PRISÃO

 

         A jurisprudência do STF e do STJ, mesmo antes do advento da mencionada Lei 11.689/2008, sempre reconheceu a ilegalidade da prisão quando a pronúncia não se manifestava sobre a necessidade de manter, ou não, a prisão do réu.

            É o que se observa destes julgados:

 

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. PRONÚNCIA. A sentença de pronúncia deve manifestar-se sobre a prisão preventiva anteriormente decretada, seja para revogá-la ou para mantê-la. A omissão da pronúncia importa na concessão de liberdade ao paciente. Não vige mais o princípio da prisão obrigatória decorrente da pronúncia. Habeas corpus deferido.[9]

                           

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. 1. DECISÃO DE PRONÚNCIA. OMISSÃO QUANTO À MANUTENÇÃO DA PRISÃO DO PACIENTE. FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE. 2. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. FUGA APÓS O COMETIMENTO DO CRIME. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA POUCO TEMPO DEPOIS. DESNECESSIDADE CAUTELAR DA PRISÃO. 3. ORDEM CONCEDIDA.

  1. Impõe-se a motivação, na decisão de pronúncia, acerca da necessidade da manutenção da custódia provisória, nos termos do artigo 93, IX da CF.

(...) 3. Ordem concedida para permitir ao paciente que aguarde em liberdade até o julgamento pelo tribunal do júri.[10]

 

            O próprio TJPA chegou a se posicionar no sentido da jurisprudência do STF e do STJ, como se vê nestes precedentes:

 

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR. MOTIVAÇÃO: CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR OMISSÃO DO JUÍZO A QUO ACERCA DA MANUTENÇÃO OU REVOGAÇÃO DA PRISÃO DO PACIENTE NA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.

  1. O art. 408, § 1º do CPP, à luz do art. 93, inciso IX da CF/88, estabelece ser a fundamentação, um elemento indispensável à validade e eficácia das decisões judiciais, sob pena de nulidade absoluta;
  2. Na Sentença de Pronúncia, o Magistrado a quo deixou de apresentar a referida fundamentação sobre a necessidade de manter ou não o paciente em prisão provisória. III. Ordem Concedida. Unanimidade.[11] (grifo nosso).

 

Habeas corpus liberatório com pedido de liminar – prisão em flagrante – ausência de fundamentação na decisão de pronúncia – violação do princípio geral da fundamentação das decisões judiciais (arts. 5º, inciso LXI e 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal) – procedência – Ordem concedida.

  1. A omissão do juízo processante acerca da manutenção ou revogação da custódia da paciente, limitando-se a declarar a admissibilidade da acusação na sentença de pronúncia, viola o disposto nos artigos 408, § 10, do CPP e 93, IX, da CF, que trazem não só uma imposição a ser cumprida, mas uma garantia imperiosa do réu, que é conhecer as razões que o levaram a sofrer qualquer tipo de constrangimento.
  2. Habeas corpus conhecido. Ordem concedida. Decisão unânime. Writ concedido.[12] (grifo nosso).

 

            Nesse diapasão, calha salientar que o STF já decidiu reiteradamente que a falta ou a carência de fundamentação não pode ser suprida pelas informações prestadas pelo juízo coator e tampouco pelo tribunal que julgar habeas corpus impetrado em favor do réu/paciente.[13]

            A propósito, veja-se:

 

AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na suposta relação do réu com o detentor do 'domínio do fato' sobre crime de formação de quadrilha. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Determinação de suprimento pelo tribunal de justiça. Inadmissibilidade. HC não conhecido. Ordem concedida de ofício. Precedentes. Quando a falta ou insuficiência de fundamentação de prisão preventiva constitua causa de nulidade da decisão, não a podem suprir informações prestadas em habeas corpus, nem o acórdão que o denegue ou negue provimento a recurso.[14] (grifo nosso).

 

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E LAVAGEM DE DINHEIRO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO RECONHECIDA PELO ÓRGÃO AD QUEM. OPORTUNIDADE DADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL PARA QUE O ÓRGÃO PROLATOR DA DECISÃO A FUNDAMENTASSE ADEQUADAMENTE, EM LUGAR DE, FACE À DEFICIÊNCIA DO DECRETO, DEFERIR A LIMINAR. COMPORTAMENTO CENSURÁVEL. FUGA PARA IMPUGNAR PRISÃO CONSIDERADA INJUSTA. LEGITIMIDADE. 1. Ação penal por tráfico ilícito de entorpecentes e lavagem de dinheiro. Prisão cautelar decretada apenas com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal, sem demonstração dos elementos necessários à constrição prematura da liberdade. Circunstância reconhecida por Desembargador Federal que, ao examinar habeas corpus, oficiou ao órgão a quo dando conta da ausência de fundamentação da decisão proferida por Juiz Federal Substituto, possibilitando o agravamento da situação do paciente, em lugar de deferir a liminar. Comportamento censurável. 2. É legítima a fuga com o objetivo de impugnar prisão cautelar considerada injusta (precedentes). Ordem concedida.[15] (grifo nosso).

 

            Como se infere das lições dos precedentes supracitados, tanto o STF quando o STJ entendiam que a omissão da pronúncia quanto à manutenção, ou não, da prisão do réu configurava constrangimento ilegal sanável pela via do habeas corpus, pelo que concediam a ordem impetrada para determinar a soltura do preso.

            Não obstante, houve uma mudança de entendimento do STJ sobre o tema.

            Deveras, o STJ não tem mais concedido o habeas corpus para soltar o preso, mas apenas para que o juízo pronunciante supra a omissão da pronúncia, manifestando-se sobre a

necessidade ou não da prisão.

            Essa mudança de entendimento aconteceu em março de 2011, no julgamento do habeas corpus 130.198/GO, da relatoria do Ministro Jorge Mussi, ocasião em que a Quinta Turma daquele Tribunal decidiu nestes termos:

 

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ARTIGO 121, § 2º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL). PRONÚNCIA. MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. OMISSÃO QUE NÃO SE CONFUNDE COM AUSÊNCIA DE MOTIVOS. OFENSA AO DISPOSTO NO ARTIGO 413, § 3º, DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.

  1. Com o advento da Lei 11.689⁄2008, o legislador ordinário atribuiu ao magistrado o dever de se manifestar acerca da necessidade de manutenção ou decretação da prisão preventiva ao proferir a provisional, fazendo-o de forma fundamentada, nos termos do artigo 413, § 3º, do Código de Processo Penal. Doutrina. Precedente. 2. No caso dos autos, por ocasião da prolação da decisão de pronúncia houve verdadeira omissão por parte do magistrado singular com relação à exigência contida no mencionado dispositivo da legislação processual penal, pois em momento algum foi feita qualquer menção à necessidade ou não de preservação da custódia cautelar do paciente.3. A ausência de manifestação do magistrado singular acerca da manutenção da constrição do acusado não pode ser confundida com a repudiada inidoneidade ou ausência de fundamentos que dão embasamento à medida de exceção.4. Ordem parcialmente concedida apenas para, mantida a pronúncia, determinar que o juízo singular, com observância ao disposto no § 3º do artigo 413 do Código de Processo Penal, decida acerca da necessidade ou não de manutenção da custódia cautelar do paciente.[16] (grifo nosso).

 

            Esse entendimento já foi consolidado pelas Quinta e Sexta Turmas do STJ, às quais compete julgar os habeas corpus impetrados naquela Corte. É o que está claro neste julgado:

 

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRONÚNCIA. NOVO TÍTULO. OMISSÃO SOBRE A NECESSIDADE DA PRISÃO. OFENSA AO ART. 413, § 3º, DO CPP. FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO ATACADO QUE NÃO SUPRE A NECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA QUE O JUIZ SUPRA A OMISSÃO.

- Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, adotando orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus substitutivo de recurso ordinário⁄especial.

- Em que pese a sentença de pronúncia constituir novo título sobre a necessidade da manutenção da custódia cautelar ou a possibilidade de o pronunciado responder ao processo em liberdade, verifica-se que no presente caso o Juiz de primeiro grau deixou de se manifestar sobre o tema, incorrendo em clara ofensa ao previsto no art. 413, § 3º, do Código de Processo Penal. 

- A inexistência de manifestação do Magistrado na pronúncia não pode ser interpretada como uma autorização para manutenção da prisão do pronunciado, como também não pode ser entendida como inexistência dos requisitos autorizadores da segregação antecipada. 

- Na linha dos precedentes de ambas as Turmas que julgam a matéria criminal nesta Corte Superior, deve, mantida a pronúncia, ser determinado que o Juiz de primeiro grau supra a omissão verificada, manifestando-se sobre a possibilidade da revogação ou necessidade da manutenção da prisão do paciente. Tal solução atende a regra inscrita no artigo 93, IX da Carta Magna, evita a indesejável supressão de instância e cumpre a determinação do parágrafo 3º do art. 413 do Código de Processo Penal. 

Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, mantida a pronúncia, determinar que o Magistrado de primeiro grau manifeste-se sobre a necessidade da manutenção da prisão ou a possibilidade de o pronunciado recorrer em liberdade.[17] (grifo nosso).

 

            No mesmo passo, o STF sinalizou a possibilidade de que a omissão da pronúncia quanto à necessidade ou não da prisão possa ser suprida a posteriori. É o que está assentado neste precedente da Corte:

           

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. DUPLO HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO QUANTO À MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NO TRIBUNAL ESTADUAL. DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DE NULIDADE DA PRONÚNCIA. PROLAÇÃO DE NOVA DECISÃO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. ALEGAÇÃO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE DESFAVORÁVEL AO PACIENTE PELA CORTE ESTADUAL. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A declaração de nulidade da decisão de pronúncia, de ofício, pelo Tribunal de Justiça de Goiás não piorou a situação do Paciente, uma vez que na segunda decisão o juízo de primeiro grau pronunciou o Paciente com capitulação idêntica à primeira. 2. A declaração de nulidade da primeira pronúncia retirou essa decisão do mundo jurídico, subsistindo a situação anterior à sua prolação, ou seja, a prisão preventiva, título que justificava, até então, o encarceramento do Paciente. 3. A decisão de pronúncia, ao contrário da sentença, não põe fim ao ofício jurisdicional do juízo de primeira instância, razão pela qual, mesmo quando ausente de fundamentação quanto à necessidade de manutenção da prisão do réu, pode o vício ser sanado com a posterior apresentação de fundamentos idôneos pelo magistrado. 4. O fato de ter sido a primeira decisão de pronúncia declarada nula foi irrelevante para que o juízo de primeiro grau pudesse decretar ou manter a prisão provisória do Paciente, não havendo, portanto, prejuízo. 5. A inexistência de fundamentação quanto à necessidade de manutenção da prisão preventiva, consoante ocorreu na espécie vertente, não se confunde com a ausência de fundamento cautelar idôneo a justificar a segregação cautelar. A omissão poderia ter sido suprida com a oposição de embargos de declaração pela parte interessada, com o objetivo de conseguir um provimento judicial que pudesse, em tese, declarar a desnecessidade da prisão, o que não foi feito pela defesa, que não pode se beneficiar de sua própria torpeza. 6. Ordem denegada.[18] (grifo nosso).

 

            Como se observa, tanto o STF quanto o STJ entendem atualmente que há diferença entre a total falta de fundamentação (omissão) e a ausência de fundamentação idônea (carência de fundamentação) para a manutenção da prisão preventiva na decisão de pronúncia. Na primeira hipótese, concedem habeas corpus não para liberar o preso, mas sim para que Juízo pronunciante supra a omissão; na segunda hipótese, reconhecem a ilegalidade da prisão e determinam a soltura do preso.

 

4 DIREITOS HUMANOS E NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

 

            A expressão direitos humanos compreende “um conjunto de direitos básicos, mínimos, indispensáveis, de todos os seres humanos” (BRITO FILHO, 2015, p. 20).

            Assim sendo, parece inegável que a negativa de prestação jurisdicional há de ser encarada sob a ótica dos direitos humanos.

 

4.1 A TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA COMO DIREITO HUMANO

 

            A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) dispõe, em seu art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

            Para Mendes e Branco (2014), esse dispositivo constitucional consagra o princípio da proteção judicial efetiva, que garante ao jurisdicionado o direito à tutela jurisdicional não só contra lesão, mas também contra ameaça a direito. No ponto, esclarecem:

 

A Constituição não exige que essa lesão ou ameaça seja proveniente do Poder Judiciário, o que permite concluir que estão abrangidas tanto as decorrentes de ação ou omissão de organizações públicas como aquelas originadas de conflitos privados.

Ressalte-se que não se afirma a proteção judicial efetiva apenas em face de lesão concreta como também qualquer lesão potencial ou ameaça a direito. Assim, a proteção judicial efetiva abrange também as medidas cautelares ou antecipatórias destinadas à proteção do direito. (MENDES; BRANCO, 2014, p. 401, grifo nosso).

            Com efeito, o direito à tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental do cidadão brasileiro ou estrangeiro residente ou de passagem pelo território brasileiro.[19]

            Mais do que isso. O direito à tutela jurisdicional efetiva é um direito humano reconhecido internacionalmente, porquanto está previsto no texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da  Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948.

            De fato, a DUDH preceitua, em seu art. 8º, que “todo ser humano tem direito a rece-

ber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem  os

direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. (grifo nosso).

            A leitura conjunta do art. 5º, XXXV, da CRFB, e desse art. 8º da DUDH, leva a inevitável conclusão de que todos os brasileiros e estrangeiros residentes ou de passagem pelo Brasil têm direito irrenunciável e absoluto a receber do Poder Judiciário nacional a tutela efetiva e completa de seus direitos.

            Trata-se, pois, de um direito humano fundamental que o Brasil tem o dever de concretizar, mormente por ser signatário da DUDH e porque está positivado na CRFB.

            Nesse aspecto, assiste razão a Junqueira (2005) quando alerta que somente a ampla atuação do Estado Democrático de Direito poderá assegurar a plena eficácia dos direitos humanos.

 

4.2 A VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM RAZÃO DA NEGATIVA DE TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA

 

            O Estado brasileiro tem a obrigação de prestar a efetiva tutela jurisdicional dos direitos das pessoas, sejam eles reconhecidos no ordenamento jurídico nacional, sejam reconhecidos em normas internacionais aplicáveis no País.

            Em matéria de violação do direito à liberdade de locomoção, essa tutela jurisdicional só será efetiva quando, verificada a ilegalidade da prisão, for ordenada a imediata soltura do preso.

            Essa obrigação do Brasil de prestar a tutela jurisdicional efetiva da liberdade das pessoas decorre de documentos jurídicos internacionais dos quais é subscritor.

           O primeiro documento jurídico que obriga o Brasil a isso é a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), conforme se infere da redação do mencionado art. 8º.

            O segundo documento normativo internacional é o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), em 16 de dezembro de 1966, que preconiza, em seu art. 9º, n. 4, in verbis:

 

ARTIGO 9º

..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

  1. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legislação de seu encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal. (grifo nosso).

 

            O terceiro documento jurídico internacional é a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que, em seu art. 7º, n. 6, primeira parte, dispõe verbo ad verbum:

 

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

  1. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competentes, a fim de que decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais (...). (grifo nosso).

 

            Ressalte-se que tanto o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos quanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos já foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, tendo, por isso mesmo, plena aplicabilidade no território nacional. O Pacto Internacional foi incorporado pelo Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992, e a Convenção Americana o foi pelo Decreto n° 678, de 6 novembro de 1992.

            E, como já decidiu o STF no Recurso Extraordinário 466.343/SP, esses dois documentos jurídicos internacionais gozam de um status supralegal, estando acima da legislação ordinária interna, mas abaixo da Constituição da República.[20]

            Ora, sendo Estado-Membro da ONU e signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), o Brasil obrigou-se, via Poder Judiciário, a prestar efetiva tutela jurisdicional dos direitos da pessoa presa e a ordenar a sua soltura, em caso de ilegalidade da prisão, sem prejuízo de que prossiga o processo.

            Dessarte, em casos como o estudado neste artigo, parece não ser a melhor solução a adotada nas decisões como as do STF, do STJ e do TJPA que, reconhecendo a ilegalidade da prisão por completa ausência de fundamentação da pronúncia quanto à necessidade ou não da custódia do pronunciado, concedem ordens de habeas corpus apenas para que o juízo pronunciante supra a omissão apontada pelo impetrante, em vez de determinada a imediata liberação do preso.

            Decisões como essas não atendem ao princípio da tutela judicial efetiva. Pelo contrário, materializam uma verdadeira negativa prestação jurisdicional e, por corolário, violam o direito humano fundamental à liberdade e à tutela jurisdicional efetiva, os quais estão consagrados não só na CRFB, mas nos preditos documentos jurídicos que tratam de

direitos humanos e aos quais o Brasil está obrigado a dar efetividade.

 

5 CONCLUSÃO

 

            O estudo do caso trado neste artigo permitiu várias conclusões que, se não constituem, um truísmo, pelo menos permitem uma reflexão sobre a eventual violação de direitos humanos por conta da negativa de prestação jurisdicional.

            Com efeito, toda pessoa tem o direito humano e fundamental de receber efetiva tutela jurisdicional, tal como positivado no art. 5º, XXXV, da CRFB, e no art. 8º da DUDH.

            E o Brasil, enquanto membro da ONU e signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) tem a obrigação institucional de, por meio do Poder Judiciário, presta efetivamente a tutela judicial dos direitos dos brasileiros e estrangeiros residentes ou de passagem pelo território nacional.

            Quando se destinar a proteger a liberdade individual de locomoção, a tutela jurisdicional só será efetiva se, em casos como o estudado, o Poder Judiciário mandar soltar imediatamente o preso.

            Portanto, qualquer decisão que, em vez de mandar soltar o preso, determinar apenas que o juízo coator supra a omissão da decisão prisional, além de tornar inócua a garantia do habeas corpus, configura negativa de prestação jurisdicional e, com isso, viola o direito humano fundamental à liberdade e à proteção judicial efetiva.

 

6 Referências

 

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 15/08/2015.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 12/07/2015.

 

BRASIL. Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 18/07/2015.

 

BRASIL. Decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em 18/07/2015.

 

BRITO FILHO, José Carlos Monteiro de. Direitos Humanos. São Paulo; LTr, 2015.

 

CANOTILHO, J. J. Canotilho et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 7. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

 

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As Nulidades no Processo Penal. 11. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009.

 

JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos e Cruz, 2005.

 

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

 

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2013, p. 732.

 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: <https://www.google.com.br/?gfe_rd=cr&ei=_4bAUofNCoXg8gbK4YDIBA#q=declara%C3%A7%C3%A3o+universal+dos+direitos+humanos>. Acesso em: 14/07/2015.

 

 

 

[1] Artigo apresentado como avaliação parcial do Curso de Especialização em Ciências Criminais, do Centro Universitário do Pará – CESUPA.

[2] Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Advogado Criminalista. Autor de      artigos jurídicos. E-mail: cesarramos.adv@hotmail.com.

[3] Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia – UNAMA. Advogado Criminalista. E-mail: plinioturiel@yahoo.com.br.

[4] A denúncia consta dos autos do processo no. 0002087-11.2014.8.14.0021.

[5] Até o fechamento deste artigo, o TJPA ainda não tinha decidido a respeito do pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público.

[6] TJPA, HC 0004923-20.2014.8.14.0000, Câmaras Criminais Reunidas, Rel. Desa. VERA ARAÚJO, julgado em 02/03/15, DJe 05/03/2015.

[7] TJPA, HC 0002801-97.2015.8.14.0000, Câmaras Criminais Reunidas, Rel. Desa. MARIA DE NAZARÉ GOUVEIA, julgado em 11/05/15, DJe 14/05/2015.

[8] STJ, HC 234330/MG, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, julgado em 12/06/2012, Dje 20/06/2012.

[9] STF, HC 80200/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. NELSON JOBIM, julgado em 12/09/2000, DJ 24/08/2001.

[10] STJ, HC 71708/SE, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 16/10/2007, DJ 05/11/2007.

[11] TJPA, HC 200730060891, Câmaras Criminais Reunidas, Rel. Des. ERONIDES PRIMO, julgado em 08/10/2007, DJ 24/10/2007.

[12] TJPA, HC 20063006993-5, Câmaras Criminais Reunidas, Rel. Desa. VÂNIA LÚCIA SILVEIRA, julgado em 15/01/2007, DJ 27/02/2007.

[13] Juízo coator, Juízo impetrado, autoridade coatora ou autoridade impetrada são denominações dadas à autoridade que praticou o ato impugnado na via do habeas corpus. Paciente é a pessoa em favor de quem o habeas corpus é impetrado.

[14] STF, HC 94.344/SP, Segunda Turma, Rel. Min. CÉZAR PELUSO, julgado 31/03/2009, DJe 21/05/2009.

[15] STF, HC 93803/RJ, Segunda Turma – Rel. Min. EROS GRAU, julgado em 10/06/2008, DJe 11/09/2008.

[16] STJ, HC 130.198⁄GO, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, j. 22⁄03⁄2011, DJe 25⁄04⁄2011.

[17] STJ, HC 291.452⁄SP, Sexta Turma, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄SE), julgado em 19⁄08⁄2014, DJe 02⁄09⁄2014.

[18] STF, HC 105.824/GO, Primeira Turma, Rel. Ministra. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 21/06/2011, DJe de 15/8/2011.

[19] Tutela jurisdicional e tutela judicial são expressões sinônimas.

 

[20] STF, 466.343/SP, Tribunal Pleno, Rel. Ministro CEZAR PELUSO, julgado em 03/12/2008, DJe 05/06/2009.