LEI 13.245/16: um lampejo garantista no procedimento inquisitorial do inquérito policial
Henrique Matos Christo Alves de CAMPOS (FIBRA)[1]
RESUMO
Com o passar dos tempos, o homem se organizou em sociedade e passou a estabelecer regras de conduta, visando assim, regular as suas relações sociais. Com a promulgação da Carta Constitucional Brasileira de 1988, foram introduzidos inúmeros dispositivos de salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, entretanto, a cultura processual penal brasileira, ligada ao vetusto Código de Processo Penal de 1941, passou a instituir regulamentos diferenciados em seu procedimento, especialmente no que tange ao procedimento inquisitorial do Inquérito Policial, os quais ainda são motivos de muitos questionamentos, em razão de não seguirem à risca o que preleciona o texto normativo federal. Na atual conjuntura da sociedade, vislumbra-se um total desrespeito aos direitos e garantias fundamentais daquele que responde um procedimento judicial criminal. Por sua vez, a Lei no 13.245/16 ganha grande relevância no cenário jurídico-social, pois a um só tempo introduz alterações no estatuto da advocacia, garantindo prerrogativas ao advogado, como a efetiva participação e atuação na fase inquisitiva, o que coaduna com os preceitos constitucionais e o comprometimento com o direito de defesa frente o instituto do Inquérito Policial, bem como promove o respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão que está na posição de investigado, assegurando-lhe uma defesa técnica e protecionista por um causídico, ainda na primeira fase da persecução criminal.
Palavra-chave: Inquérito Policial. Direito de Defesa. Lei 13.245/16. Atuação do Advogado. Garantismo.
RESUMÉ
Au cours des âges, l'homme a organisé la société et a continué à établir des règles de conduite au fin de réglementer ses relations sociales. Avec la promulgation de la Charte Constitutionnelle de 1988 au Brésil, ont été mis en place de nombreux dispositifs qui protègent les droits et les garanties essentielles des citoyens, cependant, la culture de la procédure pénale brésilienne, liée au vieux Code de Procédure Pénale de 1941, a commencé à mettre en place des réglementations différentes dans votre procédure, notamment en ce qui concerne à la procédure inquisitoire de l'enquête de police, lequeles sont de raisons encore de beaucoup de questions, parce qu'ils ne suivent pas à la lettre du texte réglementaire fédéral. Actualement, on observe un mépris total pour les droits et les garanties essentielles de la personne qui répond à une poursuite criminelle. À son tour, la Loi 13.245 /16 gagne une grande importance dans la scène juridique et sociale, parce que dans le même temps introduit des changements dans le statut d'avocat, an assurant prérogatives aux avocats, comme la participation effective et la performance dans la phase de remise en question, ce qui est cohérent avec les dispositions constitutionnelles et l'engagement au droit à la défense face à l'enquête de Police, aussi bien que encourage le respect des droits et garanties fondamentals du citoyen qui est dans la position d'enquêté, lui assurant une défense technique et protectionniste par un avocat, encore dans la première étape de la poursuite pénale.
Mot-clé: Enquête de Police. Droit de la Défense. Loi 13.245/16. Performance Professionnelle de l'Avocat. Garantisme.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva fazer uma análise critica sobre a presença do garantismo na primeira fase da persecução penal, qual seja o Inquérito Policial, tendo em vista a aplicabilidade da Lei no 13.245/16.
Primeiramente, tem-se que o procedimento do Inquérito Policial é mera fase administrativa, preparatória, sigilosa e inquisitiva, conduzida pela autoridade policial, a qual objetiva apurar a infração penal, deflagrando sua autoria através de inúmeros atos investigativos, que servirá como elemento informativo para que o titular da ação penal, o Ministério Público, possa ingressar em juízo.
É certo que o Estado detém a possibilidade de imposição da violência legítima, ainda que atue de forma contraria ao que norteia os preceitos normativos fundamentais, tendo como exemplos o ingresso de policiais em residências munidos de mandado e a interceptação telefônica autorizada que consegue realizar seu intento de buscar a verdade dos fatos investigados, no entanto, ambos os procedimentos invadem a vida íntima e privada do cidadão, expondo-o, talvez, de forma desnecessária.
O procedimento do Inquérito Policial, ainda que sigiloso e inquisitivo, implica na utilização de princípios fundamentais norteadores já resguardados na Magna Carta Brasileira de 1988, dentre os quais estão a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, a presunção de inocência ou da não culpabilidade e, inclusive, o respeito ao contraditório (bilateralidade) e a ampla defesa.
Por ser um procedimento administrativo, no qual o delegado usufrui do seu poder discricionário, questiona-se: Nesse contexto o procedimento do inquérito policial não fere o Status Dignitatis do acusado? Entende-se positivamente, uma vez que tanto o contraditório quanto a ampla defesa não são assegurados no procedimento inquisitivo, contrariando os princípios naturais que transcendem da própria essência humana.
Ao que dedilha a aplicabilidade da Lei no 13.245, de 12 de janeiro de 2016, seu objetivo central foi alterar os artigos 7o, XIV e XXI, “a”, §§ 10, 11 e 12 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), assegurando ao advogado maior participação na primeira fase da persecução criminal (leia-se o Inquérito Policial), inclusive com a possibilidade de apresentar razões e quesitos para que o delegado possa investigar outra linha de raciocínio, a da defesa.
A novel legislação, Lei 13.245/16, nos permite ir além da simples interpretação literal do contexto normativo, nos leva a reflexão sobre a necessidade de se assegurar as garantias constitucionais, já salvaguardadas, na fase pré-processual, sob pena de ofensa ao ordenamento constitucional principiológico, o que será exaustivamente discutido no decorrer deste artigo.
É através dessa síntese evolutiva, que será explanado como a Lei no 13.245/16 trouxe grande evolução ao sistema inquisitivo do instituto do Inquérito Policial, prevendo procedimentos protecionistas característicos da doutrina garantista.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INQUÉRITO POLICIAL E SUA IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL
Historicamente o Inquérito Policial teve origem em Roma, local onde o “acusador” recebia do julgador (magistrado) direito para proceder as diligencias investigativas como ir ao local dos fatos, fazer a coleta de dados, ouvir testemunhas, efetuar buscas etc. Tal procedimento era denominado de inquisitio generalis.
Na baixa Idade Média, com a ascensão dos países europeus continentais, estes resgataram o direito romano como modelo e passaram a influenciar todas as suas colônias, como foi o caso de Portugal no período do Brasil-Colônia, no qual o Estado retomou para si a competência das investigações, culminando em procedimentos inquisitoriais e repletos de abusos, cometidos por suas ordenações (Afonsinas/1446, Manuelinas/1521 e Filipinas/1603).
Com a proclamação da independência, o Brasil deixou de aplicar as referidas ordenações, motivo pelo qual o Visconde de Calamares – Manuel Alves Branco – elaborou algumas leis pertinentes à nova organização do país, tais como o Código de Processo Criminal em 1832, que alterou substancialmente o sistema judiciário investigativo brasileiro, com a criação do Juiz de Paz (julgadores municipais eleitos, os quais concentravam poderes tanto do judiciário quanto da polícia, ou seja, poderes para atos preventivos e repressivos) e, do Juiz de Direito effectivo, aquele que era togado.
Capitaneada pelos conservadores, em 1841 foi promulgada a Lei nº 261, que afastou o espírito liberal do antigo Código de Processo Criminal e aboliu a figura do Juiz de Paz. Com isso, centralizou as investigações nas mãos do chefe de polícia, com as funções de delegado e subdelegado (cargo criado em cada província da Corte), os quais detinham poderes para a expedição de mandados de busca e apreensão, concessão de fiança, oitiva de testemunhas, ainda julgavam crimes comuns e procediam a formação da culpa. Momento em que a instrução criminal passou a ser matéria da polícia.
Com o passar dos anos, o procedimento investigativo criminal alcançou melhoras em seu conteúdo, vindo a ser normatizado pela Lei nº 2.033/71, e regulado pelo Decreto nº 4.824/71, o qual definiu o seu nomem juris de “Inquérito Policial”, e o conceituou em seu art. 42, como sendo:
O Inquérito Policial consiste em todas as diligências necessárias para o desenvolvimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito.
Válido ressaltar também que o referido Decreto modificou e regulou varias disposições da legislação judiciária, dentre as quais os arts. 4º e 9º da Lei nº 2.033/71, onde foi estabelecida a separação entre a Polícia e o Poder Judiciário.
Nas palavras de José Fábio Rodrigues Maciel (2006, s/p), claramente transfigurada na figura 1, podemos entender a evolução e a abrangência que o referido instituto do Inquérito Policial trouxe para o ordenamento jurídico na atualidade, que segue:
Através dos elementos investigatórios que o integram, o inquérito policial tem por objetivo fornecer ao órgão da acusação os elementos necessários para formar a suspeita do crime, a justa causa que necessita aquele órgão para propor a ação penal, com os demais elementos probatórios, ele orientará a acusação na colheita de provas que se realizará durante a instrução processual.
figura 1 - ilustração dos primeiros procedimentos inquisitórios
Fonte: Lima Filho, 2016.
Atualmente o Inquérito Policial se encontra prelecionado no ordenamento jurídico brasileiro, tanto na Constituição Federal em seu art. 144 e incisos, quanto no Código de Processo Penal em seu art. 4º, caput e parágrafo único, os quais se transcrevem in litteris:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995).
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Deste modo, a fase inquisitorial, ou seja, pré-processual, sujeita-se as averiguações preliminares da autoridade policial, que por meio de delações ou informações imprecisas institui acurado corpo probatório, apto a desencadear o consequente processo criminal.
2.2 PROCEDIMENTO INQUISITORIAL DO INQUÉRITO POLICIAL
Consolidado através dos tempos, atualmente, o Inquérito Policial se instaura de quatro formas legais, quais sejam: (I) Ex Officio, no qual a própria autoridade policial instala o inquérito por si só através de portaria; (II) por Requisição do Juiz ou do Promotor de Justiça; (III) por Requerimento do ofendido ou de seu representante legal (CADI); ou ainda (IV) Notitia Criminis de cognição coercitiva, quando ocorre do auto de prisão em flagrante.
Constitui-se o Inquérito Policial por um procedimento administrativo, sigiloso, inquisitório e preparatório, que será conduzido pelo Delegado de Polícia – “jus politiae”, para a constituição e realização de inúmeros atos investigativos, que visam apurar a infração penal e deflagrar sua autoria, para que ao final, forneça os elementos de informação acolhidos para que o titular da ação penal, através de um juízo de valor mínimo, possa ingressar em juízo – “persecuito criminis”.
Em outras palavras, o Inquérito Policial é “inquisitio nihil est quam informatio delicti”, ou seja, é a investigação preliminar de caráter instrumental e inquisitório que atuará na colheita e produção de provas (leia-se oitivas, inquirições, interceptações, diligencias etc.), com o fito de esclarecer prévia e robustamente a justa causa dos fatos tidos como delituosos, mediante um relatório informativo, antes do ajuizamento da ação material criminal (art. 4º ao 23, do Código de Processo Penal).
Segundo os ensinamentos de Tourinho filho (apud TÁVORA, 2015, p.105), o inquérito é: “o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”.
Ressalta-se ainda, de maneira indireta, que o Inquérito Policial também se destina ao magistrado que pode adotá-lo como embasamento para decidir questões preliminares, (antes de iniciado o processo), ou em seu curso (incidentais), a exemplo da decretação de medidas cautelares como a necessidade da prisão preventiva, autorização do requerimento da interceptação telefônica, realização de diligências e a produção de provas consideradas urgentes ou relevantes (art. 156, caput, I e II, do Código de Processo Penal - CPP).
Neste norte, o Inquérito Policial possui 6 (seis) características, são elas: (I) Discricionariedade, significa que a autoridade policial conduzirá as investigações da forma que melhor lhe aprouver (conveniência e oportunidade); (II) Escrito, uma vez que todas as peças do Inquérito Policial serão reduzidas a termo ou datilografadas e rubricadas pela autoridade, inclusive as orais (art. 9º do CPP); (III) Sigiloso, haja vista que não comporta publicidade dos fatos, os quais devem ser resguardados para sua melhor elucidação (art. 20 do CPP). Este sigilo, contudo, não se estende ao Juiz, ao Ministério Público e em partes ao Advogado;
E ainda, (IV) Dispensável, uma vez que, sendo o Ministério Público também um órgão com funções investigativas, este poderá ingressar em juízo quando dispuser de provas necessárias para tal (art. 39, § 5º, do CPP); salvo quando já houver iniciado o Inquérito Policial, ele será (V) Indisponível, por ser um ato de ordem pública não podendo o delegado realizar seu arquivamento, somente mediante ordem judicial (art. 17 do CPP); e por fim (VI) Inquisitivo, em razão de não existirem partes, tão somente a autoridade policial investigando o suposto autor do delito, haja vista não haver o contraditório e a ampla defesa.
É possível identificar a natureza inquisitorial do Inquérito Policial no artigo 107 do CPP, que veda a arguição de suspeição das autoridades policiais (princípio da autoritariedade, art. 144, § 4º, da Constituição Federal - CF), bem como no artigo 14, do mesmo diploma processualista, que admite que a autoridade policial indefira qualquer diligência requerida pelo ofendido ou indiciada, com exceção do exame de corpo de delito, de acordo com o previsto no art. 184 do CPP.
Segundo os ensinamentos de Fernando Capez (2012, p. 119):
Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria.
Finalmente, o Inquérito Policial conclui-se pelo relatório, peça essencialmente descritiva, na qual o delegado delineará todos os atos investigatórios praticados para a declaração informativa dos fatos, sem que haja por parte daquela qualquer juízo de valor, devendo tal tarefa ser realizada pelo titular da ação penal. Ao final, serão remetidos os autos do inquérito ao juízo competente para determinar os atos vindouros.
2.3 OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS INSERIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL
Com a vigência da Carta Constitucional de 1988 (Constituição Cidadã), o “Novo Direito” instaurou em nosso ordenamento jurídico o que já era realidade nos países da Europa, ou seja, o Estado Democrático de Direito, com o fito de que fosse compreendido o alcance dos direitos fundamentais em todo sistema ordinário positivado.
Ao tratar dos direitos fundamentais, Robert Alexy elucida os princípios como um modelo natural que servirá como forma de aplicação e atuação do direito (ALEXY, 2011, p. 136):
Entre os princípios relevantes para decisões de direito fundamental não se encontram somente princípios que se refiram a direitos individuais, isto é, que conferem direitos fundamentais prima facie, mas também aqueles que têm como objeto interesses coletivos e que podem ser utilizados, sobretudo como razões contrárias a direitos fundamentais prima facie, embora possam ser também utilizados como razões favoráveis a eles.
Quão grande a proeminência constitucional dos princípios que o jurista Eros Grau (2005, s/p) não nos deixa dúvidas:
A importância dos princípios é enorme. Tamanha, que da sua inserção no plano constitucional resulta a ordenação dos preceitos constitucionais segundo uma estrutura hierarquizada. Isso no sentido de que a interpretação das regras contempladas na Constituição é determinada pelos princípios.
Neste norte, os direitos e garantias fundamentais são baseados nos princípios naturais que funcionam como normas protecionistas do Sistema Constitucional e, no caso, em especial ao Direito Processual Penal.
Ao que tange os princípios constitucionais enquanto sistema jurídico de aplicação do direito criminal, deve ser reconhecido a amplitude de suas vinculações normativas, tornando-se, os referidos princípios, absolutamente inafastáveis da árdua missão de proteção e tutela dos direitos individuais.
Dentre os direitos fundamentais e as garantias principiológicas instituídas pela Constituição Federal, na seara criminal, seguem:
a) A dignidade da Pessoa Humana (art. 1°, III): que funciona como principal vetor para a aplicação das demais normas, uma vez que valora a essência humana em todas as suas dimensões. Sua compreensão e aplicação é fruto do amadurecimento sociopolítico de um Estado.
b) O Devido Processo Legal (art. 5º, inciso LIV): consiste em assegurar a qualquer litigante a garantia de que o processo se desenvolverá na forma que estiver estabelecido em lei, ou seja, adequado à espécie e apto a tutelar com justiça o interesse discutido em juízo.
Na seara penal, o devido processo legal ainda abrange a não identificação criminal de quem é civilmente identificado (art. 5º, LVIII); a prisão que só será realizada em flagrante ou por ordem judicial (art. 5º, LVI); o relaxamento da prisão se ilegal (art. 5º, LXV); a comunicação imediata da prisão ao juiz competente e à família do preso (art. 5º, LXII); o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII); o direito de não ser levado à prisão quando admitida liberdade provisória, com ou sem o pagamento de fiança (art. 5º, LXVI); A inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI); e finalmente, a presunção de inocência ou da não culpabilidade (art. 5º, LVII).
c) A Verdade Real (Art. 566, do CPP): É a busca da verdade dos fatos. Ainda que existam eventuais desídias das partes, o magistrado deve pautar seu trabalho na colheita de provas concisas e robustas, afastando-se de achismos, ilações fictícias ou de realidades distorcidas.
Lastreado neste princípio, o magistrado deve se ater no lastro probatório presente nos autos ou ainda, se for o caso, utilizar de sua livre investigação das provas contidas no interior do procedimento, entretanto, atuando de forma imparcial como forma de exarar um provimento jurisdicional mais próximo possível do ideal de justiça.
d) O Contraditório ou a Bilateralidade (art. 5º, inciso LV): possibilita que ambas as partes (Autor e Réu) influenciem no convencimento do magistrado, produzindo e apresentando provas, alegação contraria ou não, cientificação de atos e, ainda, discutir à liberdade de locomoção e, negando-se o acusado a apresentar reação a pretensão acusatória, o Estado tem o dever e a obrigatoriedade de prestar a assistência técnica através de um defensor Público.
Como corolário do referido princípio, resguarda-se ainda a “paridade de armas”, ou seja, é assegurado que as partes manifestem-se como iguais no curso do processo e sejam tratadas da mesma forma pelo Juízo.
e) A Ampla Defesa (art. 5º, inciso LV): É garantia para destinatário certo, qual seja o acusado. É direito garantido na esfera criminal em disponibilizar ao seu único possuidor a amplitude de defesa, seja técnica (efetuada por profissional habilitado) ou autodefesa (realizada pelo próprio imputado).
Mister esclarecer que na seara penal, a ausência de defesa técnica constitui nulidade absoluta e sua deficiência só o anulará se provada a prejudicialidade ao réu, conforme entende o Supremo Tribunal Federal ao editar a Súmula no 523 que diz: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
Sob este norte, o processo tende ser legítimo, legal e escorreito, uma vez que a aplicabilidade do ordenamento jurídico criminal possui raízes constitucionais, estas regadas a luz da soberania dos princípios que determinam a intenção da atividade jurisdicional.
Teoricamente, é fato que a Constituição Federal assegura a cada acusado, ou suspeito, o direito de defesa, bem como o direito de constituir prova rigorosa, a qual deveria perpassar por todas as etapas legais de avaliação. Entretanto, ao que tange a primeira fase da persecução criminal (Inquérito Policial), o que percebemos é que na prática, a teoria é outra.
O procedimento do Inquérito Policial tramita de forma dissociada do que estabelece as pretensões garantistas, já que faz “vista grossa” a alguns dos principais direitos e garantias fundamentais, justamente por esses regramentos, de certa forma, limitarem a atuação discricionária da autoridade policial e de suas investigações.
Com a devida venha, o caráter personalista, discricionário e inquisitivo do inquérito policial vem afetando reiteradamente as decisões do STF, tendo como exemplo o trecho de uma decisão proferida no HC 94173 MC/BA, pelo Relator Ministro Celso de Mello (2008, s/p):
(...) mesmo na fase pré-processual da "informatio delicti", a pessoa sob investigação não se despoja de sua essencial condição de sujeito de direitos e de garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a censurável face arbitrária do Estado.
Deste modo, a doutrina majoritária diz que o inquérito policial não se desenvolve sob a égide dos princípios informadores do processo, haja vista tratar-se de “mero” procedimento administrativo, informativo e inquisitivo.
Necessário se faz então, a releitura do modelo atual do inquérito policial, considerando a compreensão do papel de cada princípio, base de um direito sólido e legalmente garantido, e ainda a correlação da impressão que o indivíduo apresenta perante a sociedade e o Estado perante o indivíduo.
A direção para tal releitura perpassa pela devida atenção aos modernos postulados da democracia, bem como pelos preceitos constitucionais, pois, procedimento inquisitório, característico de regimes de exceção, torna-se inaceitável perante os princípios colacionados na constituição cidadã.
Neste belvedere, é extremamente relevante ressaltarmos que os princípios detêm em sua essência alta carga valorativa, devendo os mesmos serem seguidos e aplicados, uma vez que se destinam a nortear o aplicador do direito e servem como base para fundamentar as garantias já positivadas.
Deste modo, as garantia aos direitos fundamentais expressa no artigo 5°, XXXV, afirma que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário, resguardando assim o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição ou indeclinabilidade da jurisdição.
É salutar que com a ocorrência da infração se instaure o Inquérito Policial com o objetivo de investigar e coligir subsídios probatórios que se demonstrem a autoria e a materialidade do delito, viabilizando elementos informativos a dar início à ação penal pelo seu titular.
No entanto, mister que o procedimento administrativo informativo-inquisitivo desempenhe o que determina a própria Constituição Federal quando garante o efetivo cumprimento de todos os princípios garantidores dos direitos fundamentais, sob pena de ofensa a ordem constitucional vigente.
2.4 O Garantismo Penal
Instituída pelo jusfilósofo e baluarte na proteção das garantias do cidadão, em especial a liberdade, Luigi Ferrajoli criou a teoria do garantismo penal, o qual dispõem que o sistema normativo deve ser corporificado na essência principiológica da legalidade e aplicado efetivamente.
Na falta de conceito especifico, Ferrajoli preleciona três significados distintos de sua teoria, sendo o primeiro sob a ótica epistemológica normativa, o segundo enfoca criticamente a validade e a efetividade do ordenamento e, o terceiro perpassa por um viés filosófico-político (FERRAJOLI, 2010, p. 785-786, 786 e 787), que seguem respectivamente:
“Garantismo” designa um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade” SG, próprio do Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É consequentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente.
“Garantismo” designa uma teoria jurídica da “validade” e da “efetividade” como categorias distintas não só entre si, mas, também, pela “existência” ou “vigor” das normas. Neste sentido, a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantêm separados o “ser” e o “dever ser” no direito; e, aliás, põe como questão teórica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos (tendentemente garantistas) e práticas operacionais (tendente antigarantistas), interpretando-a com a antinomia – dentro de certos limites fisiológica e fora destes patológica – que subsiste entre validade (e não efetividade) dos primeiros e efetividade (e invalidade) das segundas.
“Garantismo” designa uma filosófica política que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade. Neste último sentido, o garantismo pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o “dever ser” do direito. Equivale à assunção, para os fins da legitimação e da perda da legitimação ético-política do direito e do Estado, do ponto de vista exclusivamente externo.
Encadeando os três significados norteados por Ferrajoli (2010), pode-se conceituar a teoria do garantismo penal como um modelo de política criminal que institui a prevalência da mínima intervenção do Estado no sistema normativo punitivo, protegendo assim, a liberdade do cidadão com fundamentos do pensamento iluminista. Deve ainda estar pautada na validade da norma vigente e na prática efetiva de atuação sob a exegese da filosofia-política que impõe ao Estado e ao direito, o ônus de buscar a finalidade da norma penal.
Em outras palavras, a teoria do garantismo penal atua como freio ideológico para a atuação indiscriminada do Estado na liberdade do cidadão, ou seja, o seu poder punitivo deve ser utilizado como ultima ratio frente aos direitos e as garantias fundamentais positivadas do cidadão.
É cediço que o Direito em nosso ordenamento jurídico é positivista através de leis e princípios reguladores da vida em sociedade. Desta forma e distintamente do que impõem o abolicionismo penal, o Garantismo entende que o delinquente deve, sim, ser investigado, processado, condenado e punido, entretanto, tudo deve ser feito com respeito às mais amplas garantias inerentes à sua condição humana e de cidadão, haja vista ser inviável, até mesmo se cogitar, a condenação de alguém e a imposição de respectiva penalidade se não houver expressa previsão legal, guardando esta a devida compatibilidade com o sistema constitucional vigente.
Diante deste norte, inolvidável apresentar os 10 axiomas corporificados no garantismo penal (GRECO, 2007, v. 1, p. 12-13), quais sejam:
1 — Nulla poena sine crimine (não há pena sem crime);
2 — Nullum crimen sine lege (não há crime sem lei);
3 — Nulla lex (poenalis) sine necessitate (não há lei penal sem necessidade);
4 — Nulla necessitas sine injuria (não há necessidade sem ofensa);
5 — Nulla injuria sine actione (não há ofensa sem ação);
6 — Nulla actio sine culpa (não há ação sem culpa);
7 — Nulla culpa sine judicio (não há culpa sem processo);
8 — Nullum judicium sine accusatione (não há processo sem acusação);
9 — Nulla accusatio sine probatione (não há acusação sem provas);
10 — Nulla probatio sine defensione (não há prova sem defesa).
Destarte, ainda que os anseios da sociedade sejam a aplicação do direito penal mais atuante e com exemplar punição (rigoroso), mesmo que isto acarrete a preterição de alguns direitos individuais quando houver interesse coletivo – In dubio pro societate, o garantismo penal se enfileira na exigência de um direito repressivo mais humano, onde haja a efetiva sanção do infrator, mas com critérios que respeitem à dignidade da pessoa humana e que garantam um julgamento justo com amplo resguardo dos direitos individuais, mesmo que estes venham a conflitar com o interesse estatal.
Neste sentido, o fundamento das decisões penais (Indiciarias ou judiciais) não poderia ser diferente, haja vista o Estado Democrático de Direito reconhecer os indivíduos como sujeitos livres e capazes de decidir seus próprios destinos, razão pela qual, o Estado deveria torna-se instrumento a serviço do regular desenvolvimento dos direitos fundamentais do ser humano e não mero aplicador de sanções, motivo que nos permite considerar que o princípio da participação, no caso, no procedimento do Inquérito Policial é constitucionalmente permissivo a atuação do Advogado, sob o cumprimento das garantias fundamentais.
Fundamentado na “Constituição Cidadã”, o ordenamento penal deveria corporificar em sua sistemática normativa a relevância e o poder dos princípios naturais, para que sua predominância fundamentativa-garantista pudesse servir de supedâneo tanto ao legislador, quando ao aplicador do Direito, os quais devem se valer da essência do princípio da legalidade como meio para a aplicação da teoria garantista, visto ter previsão e status de cláusula pétrea.
2.5 LEI 13.245/16 E A ABRANGÊNCIA DAS PRERROGATIVAS DO ADVOGADO NO INQUÉRITO POLICIAL
Sancionada em 12 de janeiro de 2016, a Lei n.o 13.245/16 veio alterar os artigos 7o, XIV e XXI, “a”, §§ 10, 11 e 12, da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), assegurando àquele profissional que é o longa manus da justiça – o advogado – maior participação na primeira fase da persecução criminal, inclusive, agora, com a possibilidade de apresentar e formular razões e quesitos para que o delegado possa investigar outra linha de raciocínio, a da defesa, resguardando, consequentemente, os direitos e garantias do cidadão representado.
Em outras palavras, a novatio legis veio trazer em seu conteúdo epistemológico o direito de acesso ao Advogado (defesa técnica) nos autos do Inquérito Policial, questionando assim o paradigma da mitigação do sistema do contraditório e da ampla defesa na formalização dos atos investigativos na fase insidiaria, visto que, agora, com a inobservância destas garantias, a autoridade competente poderá ser responsabilizada criminal e funcionalmente, por abuso de autoridade em obstar o Advogado do acesso pleno ao exercício da defesa.
Transcrevem-se abaixo as inovações assentadas pela Lei 13.245/16, in verbis:
Art. 7º São direitos do advogado:
XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; (Redação dada pela Lei nº 13.245, de 2016). (negritado).
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016). (negritado).
a) apresentar razões e quesitos; (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016). (negritado).
§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV. (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016). (negritado).
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências. (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016). (negritado).
§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente. (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016). (negritado).
Destarte, sob a égide da Lei 13.245/16, o advogado passou ter a prerrogativa de examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, ainda que sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza; copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital e fazer perguntas ao investigado ou às testemunhas durante o inquérito policial, atos estes que são extremamente salutares, haja vista que a participação da defesa deve se dar de maneira equânime frente à acusatione.
Como sustentáculo pretérito da mencionada Lei, salienta-se o que já dispunha o entendimento do Supremo Tribunal Federal corporificado na Súmula Vinculante no 14, in litteris:
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Nesse ponto, a Lei em questão só veio afirmar a intenção do legislador em adequar o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil ao cenário contemporâneo, prevendo maior proteção aos direitos dos cidadãos que se encontram sobre o alvedrio do poder punitivo do Estado.
Evidente que as garantias constitucionais deverão ser ofertadas de forma irrestrita e incondicional no processo judicial, no entanto, discuti-se a respeito da fase pré-processual, pelo fato de existirem dois pontos que se contrapõem, quais sejam: de um lado, tornar a fase inquisitorial mais simples sem a utilização do contraditório e da ampla defesa e, de outro, assegurar ao investigado todas as garantias constitucionais.
Ressalta-se que a nova ordem jurídica “formalmente garantista” defende, mormente, com supedâneo no princípio do devido processo legal, que o inquérito policial deveria se transmutar em procedimento de proteção dos direitos e garantias individuais, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário.
Ademais, a Polícia Judiciária não está vinculada à acusação ou à defesa, devendo agir com imparcialidade e compromissada com a verdade dos fatos, e, por consequência, o inquérito deve ser concebido como um verdadeiro instrumento de Justiça Criminal.
Corroborando com este entendimento, sabe-se que na seara criminal é necessário o cumprimento do direito a informação, uma vez que para que o acusado apresente defesa, este precisa saber do que esta sendo investigado, para que possa utilizar dos meios que lhe permitam confrontar os elementos de prova que digam respeito à autoria e a materialidade da infração, resguardando assim o principio da ampla defesa e do contraditório.
Nesse sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodriguez Alencar (2011, p. 58), afirmam que o princípio do contraditório é traduzido pelo binômio ciência e participação, aduzindo que: “às partes deve ser dada a possibilidade de influir no convencimento do magistrado, oportunizando-se a participação e manifestação sobre atos que constituem a evolução do processo”.
Dessa forma, mais do que uma oportunidade ou participação do Advogado, a Lei nº 13.245/16 vem garantir que toda a persecução penal seja desenvolvida com observância na necessidade de proporcionar à defesa paridade de forças frente ao sistema inquisitivo, adotado no Inquérito Policial, em conformidade com o artigo 5°, IV, da CF, que aduz: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
É valido lembrar, ainda, que, com relação aos direitos fundamentais, a interpretação da norma deve ser sempre ampliativa e não restritiva, o que ratifica a aplicação do contraditório no procedimento do inquérito, desde que, é claro, não inviabilize as investigações.
Nesse contexto, Rogério Lauria Tucci (2004, p. 357-360), afirma que:
A contraditoriedade da investigação criminal consiste num direito fundamental do imputado, direito esse que, por ser ‘um elemento decisivo do processo penal’, não pode ser transformado, em nenhuma hipótese, em ‘mero requisito formal’”.
Fato notório é que, aos poucos, o sistema garantista esta se tornando parte efetiva no ordenamento penal brasileiro, dando origem a relação simbiótica entre o exercício dos direitos e garantias constitucionais e o dever do Estado de investigar as condutas potencialmente lesivas dos bens jurídicos, embasados na mais perfeita legalidade.
Assim, a Lei nº 13.245/16 ao introduzir lampejos garantistas no procedimento inquisitorial do inquérito policial, trouxe verdadeira revolução ao procedimento investigativo criminal, amparando o cidadão representado, anteriormente largado ao relento e estigmatizado como acusado sem sequer poder questionar o que lhe estava sendo imputado.
Por fim, podemos afirmar que a Lei nº 13.245/16, veio democratizar o procedimento do Inquérito Policial, pois ainda que eventualmente tenha alteração diminutamente as prerrogativas do Advogado, estamos convictos que hodiernamente esta Lei se apresenta como grito por mudanças mais significativas na investigação criminal em um Estado Democracia de Direito vigente.
3 CONCLUSÃO
A partir da premissa de que a Constituição Federal tem como finalidade precípua a garantia dos direitos fundamentais do indivíduo, a Lei nº 13.245/16 vem demonstrar que esta ideia deve permear em toda a persecução penal, inclusive, desde a investigação preliminar instrumentalizada através do Inquérito Policial.
No decurso deste artigo cientifico, vimos que o indiciamento é ato unilateral da Administração Pública, não amparado pela ampla defesa e pelo contraditório, haja vista defluir de procedimento sigiloso, inquisitório e preparatório realizado pela convicção pessoal da autoridade policial que conduz o Inquérito. Ainda, tal procedimento é ato realizado na urgência das investigações, muitas vezes sem fundamentação adequada, e com efeito de alterar a situação jurídica-moral do indivíduo, uma vez que traz incontáveis repercussões negativas, sem encontrar guarida na Constituição Federal para justificar este efetivo constrangimento.
Neste sentido, podemos observar que, visando dar uma resposta rápida e positiva à sociedade, o Inquérito Policial se apresenta, muitas vezes, para apontar simplesmente um culpado para o ato criminoso, sem, entretanto, viabilizar ao mesmo, “suposto culpado”, todo o arcabouço de direitos e garantias fundamentais, uma vez que a legislação processual penal “atuante” encontra-se inerte a prelecionada legislação constitucionalizante.
Entretanto, em um Estado Democrático de Direito, nenhum motivo deve sobrepujar as garantias constitucionalmente, haja vista que ao observarmos os direitos fundamentais, estes servem de oxigenação para a democracia e tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/88).
Por oportuno, a novel legislação, Lei nº 13.245/16, veio ampliar os direitos dos Advogados e, consequentemente, resguardar as garantias fundamentais individuais na seara penal, em observância ao que dispõem a constituição. Ademais, o direito do advogado de acesso aos procedimentos investigatórios, policiais ou não, assim como as demais prerrogativas profissionais, não são vantagens indevidas, ilícitas, ou privilégios, são, por outro lado, efetivo respeito à administração da Justiça, do direito de defesa e do contraditório de todo cidadão.
As prerrogativas profissionais dos Advogados são direitos consagrados na Lei Federal e visam dar ferramentas indispensáveis ao defensor para o exercício da defesa de seu patrocinado. Assim, objetivar um Inquérito participativo é garantir que tal procedimento, ainda que inquisitivo, imponha limites para que a Autoridade Policial não extrapole o direito e a liberdade individual.
Desta forma, imperioso que haja uma releitura constitucional, democrática, e mais transparente dos atos praticados no Inquérito Policial, de modo que o interesse público decorrente das investigações não seja comprometido e a observância das garantias dos investigados não seja violada.
Por fim, reforça-se o entendimento no sentido de que a nova Lei nº 13.245/16, constitui um avanço para a investigação criminal, democratizando ainda mais esse procedimento, dando mais transparência aos atos praticados nesta fase da persecução penal e fortalecendo os elementos de prova nela produzidos, afinal, o Advogado deve exercer o direito de defesa, profissionalmente, visto ser indispensável ao bom andamento da justiça.
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[1] Bacharel em Direito pela Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA, Advogado, Membro do Instituto Paraense do Direito de Defesa (IPDD) e Membro da Comissão de Jovens Advogados do Pará (COJAD) e Membro da Comissão de Estudos Penais da OAB/PA. E-mail: henriquecampos.adv@hotmail.com